A cineasta brasileira Fernanda Pessoa disputa este ano o prémio de Melhor Documentário no Festival Cinelatino de Toulouse com "Histórias que nosso cinema (não) contava", que mergulha na pornochachada, um género popular durante a ditadura que esconde traços da memória histórica.

As populares comédias com forte teor sexual que encheram os cinemas brasileiros na década de 1970, durante a ditadura, podem ajudar a perceber a história atual? Para Pessoa, a cultura de massas é um diálogo com a memória.

"Com o meu filme, o que proponho é repensar a história do Brasil. Pois acredito que há coisas com que, embora não concorde, devo conhecer", contou Pessoa à agência AFP.

O Festival Cinelatino explicou na sua programação que a pornochachada é um neologismo que mistura o porno com a "chachada", termo com o qual ficou conhecida a comédia picaresca. Durante a ditadura no Brasil, este género tornou-se uma forma de exprimir críticas ao regime vigente.

"Através das comédias eróticas que escapavam à censura, as cruéis relações empresariais, a misoginia forçada, o racismo e a violência política passavam pelo filtro como um humor obsceno", explicaram os organizadores do Cinelatino, que tem lugar em Toulouse de 17 a 26 de março.

Violência sexual como entretenimento

Para Fernanda Pessoa, de 30 anos, este filme permitiu que entrasse num período da história que não viveu, já que nasceu depois do regresso à democracia.

"Há todo o tipo de filmes que possa imaginar. Westerns, policiais e até filmes políticos categorizados como comédias", explicou.

"Cerca de 10% destes filmes são políticos, existiam intelectuais que tentavam introduzir conteúdos escondidos", indicou.

Para Pessoa, o mais difícil foi a violência sexual contra as mulheres, em que as mulheres que participavam nos filmes eram submetidas a assédios e violações enquanto parte de um produto de entretenimento.

"Não consegui ver muitas dessas cenas depois da montagem. É muito duro", contou.

"Há uma coisa que gostaria muito que as pessoas entendessem: sempre há traços da história nos produtos culturais. Acredito que ninguém pense que produtos das massas como os 'blockbusters', como 'Transformers', possam nos ensinar alguma coisa. É político", explicou.

Pessoa acredita que no Brasil a memória histórica não é preservada.

"E como não se olha para a história, a história repete-se. Cometemos os mesmos erros e isso é o que está a acontecer agora no Brasil", reforçou.

"É muito importante recordar esta história tão dura que vivemos para tentar compreender como isso aconteceu, para que nunca mais se repita", concluiu.