Cineastas brasileiros denunciaram esta quinta-feira no Festival de Berlim que a cultura do país está ameaçada pelo governo "ilegítimo" do presidente Michel Temer, pedindo o apoio da comunidade internacional do cinema.

Esta é uma "carta de alerta perante a crise democrática que estamos a viver", disse à agência AFP o realizador Marcelo Gomes após ler um texto à imprensa assinado por 300 personalidades e outros profissionais do cinema, na sua maioria brasileiros.

O governo de Temer "fez mudanças terríveis na área social e educacional. Os avanços que tinham sido feitos foram removidos e agora vai acontecer o mesmo [com a cultura] se não gritarmos", acrescentou o cineasta, cujo filme "Joaquim" concorre ao Urso de Ouro.

O protesto brasileiro acontece menos de um ano depois de o realizador brasileir Kleber Mendonça Filho e a equipa técnica e elenco do filme "Aquarius" ter criticado, no festival de cinema de Cannes (França), o que classificou de "golpe de Estado no Brasil", a propósito da destituição da ex-presidente Dilma Rousseff e da tomada de posse de Michel Temer.

O Brasil está representado na Berlinale por cerca de 15 filmes, e entre os que assinaram a carta estão os realizadores Fabio Meira ("As Duas Irenes"), Davi Pretto ("Rifle") e Lais Bodanzky ("Como Nossos Pais").

Os cineastas pediram o apoio da comunidade cinematográfica na sua "luta para proteger as políticas" culturais adotadas durante os governos de Lula e de Dilma Rousseff.

Mostraram-se especialmente preocupados com as próximas nomeações para a Agência Nacional de Cinema (Ancine), cujo trabalho nos últimos anos elogiaram.

"Os resultados são visíveis: 27 filmes foram selecionados" para os principais festivais internacionais do ano e o setor audiovisual cresceu 8,8% em 2016, muito acima da economia nacional, salienta a carta.

Chamada à resistência

Os cineastas destacaram, ainda, que a Ancine permitiu que se desse voz à diversidade étnica, racial, cultural e religiosa do país.

"Vivemos num momento muito complexo e muito inseguro", insistiu Marcelo Gomes, que comparou a atualidade brasileira com o seu filme baseado na figura histórica de Joaquim José da Silva Xavier, o "Tiradentes", um soldado da coroa portuguesa que passou para o lado revolucionário e lutou contra o colonialismo no século XVIII: "Quanto mais leio sobre o período colonial do Brasil, mais compreendo o Brasil atual".

O realizador desconstrói este herói nacional, interpretado pelo ator Júlio Machado, para mostrar um perfil humano e mostrar que qualquer pessoa é "capaz de um ato heroico", acrescentando que é "uma chamada à resistência, para uma sociedade mais justa".

Entre a história e a ficção, Gomes mostra como os heróis se formam por acidentes da vida, e imagina que Tiradentes se transformou por amor, ao apaixonar-se por uma escrava, interpretada por Isabél Zuaa.

Com um orçamento de cerca de 1,2 milhões de euros, foi rodado no Brasil e montado em Portugal. O elenco integra os atores portugueses Nuno Lopes, Isabél Zuaa e Welket Bungué.

O primeiro filme de Gomes, "Cinema, Aspirinas e Urubus", foi apresentado em Cannes em 2005.

O júri da Berlinale anunciará este sábado o vencedor do Urso de Ouro.