O Festival de Cannes percorreu um longo caminho desde o seu início, há 70 anos, mas "o seu ADN continua a ser o cinema", assegura o seu delegado-geral, Thierry Frémaux em entrevista à AFP.

PERGUNTA: Como vê a evolução do Festival, marcado por escândalos e controvérsias?

THIERRY FRÉMAUX: Por um lado, estamos muito longe do festival original, pela sua envergadura, o seu formato. Mas, no fundo, estamos exatamente no mesmo lugar, ou seja, 12 dias para celebrar a Sétima Arte. Nos anos 1950, houve um novo Palácio de Festivais, outro, no início dos 1980. O Festival ampliou-se, desenvolveu-se, criou-se o Mercado do Cinema [...] Mas o tema de conversa principal de Cannes, não importa quem você seja, é o cinema.

Escândalos e controvérsias fazem parte da história do festival. No começo, houve escândalos políticos, de caráter social. Hoje, temos menos disso. Tive de viver o escândalo estético de Gaspar Noé [com "Irreversível", no qual há uma cena explícita de violação] e o de Lars Von Trier com "Anticristo", escândalos extracinematográficos, como quando se acusou - mas talvez ele tenha cometido alguns erros de expressão - Lars Von Trier, erradamente, de fazer a apologia a Hitler.

P: Este ano, foram anunciados dois filmes da Netflix na competição, um em realidade virtual e mais duas séries. É uma revolução?

R: Uma seleção é sempre uma série de coincidências. Alejandro González Iñárritu, que veio duas vezes em competição, decidiu lançar-se este ano, como autor e cineasta, na realidade virtual (...) E achamos muito bom acolhê-lo.

Não mostramos duas séries, damos notícias de dois grandes cineastas que fazem parte da história do Festival de Cannes, todos dois Palma de Ouro e presidentes do júri: Jane Campion e David Lynch. E acaba por ser que os filmes que fizeram são séries para televisão. [...] Mas nós, o nosso ADN fundamental e nossa razão de existir é o cinema.

O próprio cinema está a modificar-se. A indústria do cinema vê chegar novos intervenientes. Podem ser países como a China, ou novos produtores e novas plataformas, como a Netflix e Amazon, que decidem ajudar na criação de filmes. No ano passado, foi a Amazon que veio a Cannes, com quatro ou cinco filmes em competição [...] Este ano, pura coincidência, Netflix, a outra grande plataforma, veio propor-nos filmes.

P: Ao completar 70 anos, quais são os desafios do Festival?

R: As questões para o futuro são várias. O festival mantém a sua razão de existir: defender a arte cinematográfica sob todas as suas formas, usar a arte e a cultura como um instrumento de diálogo entre os povos. E continuar a fazer de forma a que, durante 12 dias, e para o resto do ano, o cinema, hoje cercado de novas linguagens das imagens, possa ser o coração do mundo.