Apenas oito anos se haviam passado desde Hiroshima e Nagasaki quando o célebre herói da Segunda Guerra Mundial, o general Douglas MacArthur, pretendeu valer-se da divisão do átomo outra vez – desta sobre a cabeça dos coreanos.

Estes, rebeldemente, insistiam em permanecer comunistas – para piorar num território muito apetecível no jogo geopolítico internacional.

Foi o presidente Truman a compreender o perigo da peripécia em plena fronteira com a União Soviética e sem bomba atómica, MacArthur teve que se contentar com napalm – e aí foram usadas toneladas dele, o suficiente para matar com queimaduras de quinto grau quatro milhões de “vermelhos”, 90% da população de Pyongyang!

A ferida aberta de Kim Jung-Un

No seu novo trabalho "Napalm", o lendário Claude Lanzmann (“Shoah”), atualmente com 91 anos, lembra esta história depois de chegar ao país em 2015 – onde também recordará a sua passagem por lá no final dos anos 50.

Pelas lentes da câmara da sua fotógrafa, Caroline Champetier, desfila uma cidade incrivelmente limpa, moderna, ordenada e cheia de parques. Mas o roteiro turístico, provavelmente o único autorizado, capta a ferida aberta que, no fundo, nunca cicatrizou.

“Em 1958 eles eram muito simpáticos, generosos e civilizados a despeito do que tinham passado”, disse ele numa entrevista ao Telegraph, acrescentando que “esta guerra horrível é a raiz de tudo o que estamos a assistir agora. Não podemos falar sobre este país e esquecer este conflito. Foi a Guerra da Coreia que os fez”.

Em jeito de conclusão depois de passeios por uma cidade rodeada de museus de guerra, estátuas do grande líder e belas raparigas que, invariavelmente, estão a lutar ou a descrever atrocidades, Lanzmann diz que o país é um território em permanente preparação para uma nova guerra que nunca aconteceu. Ainda.

Mas, para ele, toda esta história não passa de um grande “bluff”. Disse ele ao Guardian: “Os norte-coreanos estão muito longe de poderem efetivamente lançar um míssil contra os Estados Unidos. Eles apenas jogam com isso. E acho que eles e Donald Trump ainda serão grandes amigos!”

Napalm emocional

Na segunda parte, o filme toma outros rumos. Em 1958, ainda haviam ruínas quando Claude Lanzmann foi até lá como membro de uma comissão francesa; sob o caos, uma inesquecível enfermeira da Cruz Vermelha…

Quanto ao resto, não se tratam de ilusões de um velho comunista; as lembranças dão conta de uma história sobre a interferência do Estado nos assuntos privados – suficientemente brutal para desencorajar as crenças nas práticas do “socialismo real”.

Ingerências que, aliás, decorreram durante as filmagens, dificilmente autorizadas e apenas sob o pretexto de que ele estava a fazer um filme sobre… taekwondo.

As notícias dos telejornais por cá são calculadas para fazer reagir, não para fazer pensar: entre a beleza triste da sua história e as suas conexões implícitas, “Napalm” lança uma luz sobre as eventuais razões para insistência militarista do “louco” Kim Jung-Un, que não parece merecer uma biografia credível no Ocidente nem no Wikipédia.

“Não sou comunista há muito tempo e acho que mostro isso no filme. Mas [tudo] é muito complexo para ser resumido a expressões como ‘Eixo do Mal’”, recorda o cineasta. Por outras palavras, se do lado asiático as razões vêm das sombras dos mortos, do lado do Pentágono as motivações são as do costume.

“Napalm” é exibido no âmbito do Doclisboa, dia 19, no cinema Ideal.

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