Aos 88 anos, Ennio Morricone, um dos compositores mais famosos e amados da história do cinema, mantém a criatividade e a lucidez. Com uma grande digressão programada, ele deseja, como confessou à AFP, surpreender o público.

"Pediram que conduzisse minha música. Mas não sou um verdadeiro maestro de orquestra, não dirijo a música de outros compositores. A verdade é que gosto de ouvir a minha música e ver a reação do público", explicou no seu estúdio em Roma.

Depois de um grande concerto esta sexta-feira na capital italiana, que faz parte de uma digressão mundial iniciada em 2016 para celebrar 60 anos de carreira, "o maestro", como é chamado no seu país, tem vários espetáculos programados na Europa para os próximos meses.

"No cinema não é possível ouvir com atenção a música, pelos diálogos, ruídos, efeitos especiais, tudo isso distrai as pessoas. A música deve ser ouvida. Os concertos permitem ao público escutar a minha música, apenas a minha música", afirma.

Segredos e piadas

O compositor de mais 500 bandas sonoras, reconhecido por melodias únicas como o assobio de "O Bom, o Mau e o Vilão" (1966) ou o magnífico solo de oboé de "A Missão" (1986), é sobretudo um senhor simpático e disponível, que conta piadas e segredos com o mesmo ritmo musical das suas composições.

"A música de 'A Missão' nasceu de uma obrigação. Tinha que escrever um solo de oboé, passava-se na América do Sul no século XVI e tinha que respeitar o tipo de música do período. Ao mesmo tempo, tinha que escrever uma música que também representasse os índios da região. Todas as obrigações restringiram-me (...) mas também fizeram com que saísse algo claro", conta.

O autor de músicas de filmes de todos os géneros diferentes sorri quando é comparado a compositores clássicos da dimensão de Rossini ou Mozart, também muito prolíficos.

"O facto de ter sido capaz de compor música com total liberdade, e tão diversas, foi possível não apenas porque tinha a técnica, mas porque era necessário que mudasse sistematicamente o meu estilo de composição. O filme exigia. Acostumava-me, ficava sempre diferente", explica.

O vencedor do Óscar por "Os Oito Odiados" (2015), de Quentin Tarantino, reconhece que as bandas sonoras para o cinema são mais fáceis, pegajosas, em comparação com algumas das 100 peças de câmara ou contemporâneas que escreveu.

Entre os seus autores preferidos figuram Stockhausen, Boulez, Luigi Nonno, Aldo Clementi, Petrassi, "o meu mestre", diz, assim como Stravinsky, Bach, Palestrina Monteverdi.

"Sinto que esqueço alguns nomes, mas eles, conscientemente ou não, deixaram a marca", admite.

O compositor, que trabalhou com os grandes cineastas e produtores de Hollywood, John Huston, Roman Polanski, Samuel Fuller, Brian De Palma (foto), além de Sergio Leone, Pier Paolo Pasolini, Bernardo Bertolucci, Dario Argento, Gillo Pontecorvo e Pedro Almodóvar, é de facto um artista emblemático do século XX, que deve o seu sucesso sobretudo à sábia combinação de imagem com melodia.

Qual a receita?

"Não há receita, para nada. Tentei muitas receitas. Tentei inventar uma maneira de escrever música melódica repleta de pausas. Quase monossílabos ou três sílabas juntas e depois uma pausa. Como um pensamento que vai e volta, que se repete de forma diferente. Sempre quis mudar, mas no final sempre me pareço comigo mesmo".