Sob forte ovação no Palais des Festivals, "I, Daniel Blake", de Ken Loach, ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes, que recebeu das mãos da dupla "Mad Max": o realizador George Miller, presidente do júri, e Mel Gibson.

Este filme sobre como os cortes em assistência social afetam famílias vulneráveis faz do cineasta britânico de 79 anos um repetente: "Brisa de Mudança" ganhou em 2006.

O seu feito junta-o a uma elite onde estão Alf Sjöberg, Francis Ford Coppola, Shohei Imamura, Emir Kusturica, Bille August e Michael Haneke.

Acredita-se que será também a última longa-metragem da sua carreira.

As escolhas do júri presidido pelo cineasta George Miller foram anunciadas ao fim da tarde de domingo.

A acompanhá-lo na avaliação dos 21 filmes da mostra competitiva estavam os atores Donald Sutherland, Kirsten Dunst, Mads Mikkelsen e Vanessa Paradis, a atriz e realizadora italiana Valeria Golino, os realizadores Arnaud Desplechin e Laszlo Nemes, e a produtora iraniana Katayoon Shahabi.

No seu discurso de agradecimento ao festival e a toda a equipa, Loach aproveitou para fazer uma crítica enérgica aos riscos do neoliberalismo.

"O mundo em que vivemos está em uma situação perigosa, à beira de um projeto de austeridade que chamamos de neoliberal, que corre o risco de nos levar à catástrofe. Deve dizer-se que outro mundo é possível e, até mesmo, necessário", prosseguiu, falando em francês e em inglês, após ter alertado contra o regresso da extrema-direita.

Confirmando que o prodígio do Canadá Xavier Dolan continua a ser venerado em Cannes, o seu filme "Juste la Fin du Monde" recebeu o Grande Prémio, efetivamente o segundo lugar do Palmarés.

O filme dividiu a crítica, mas Dolan continua a ver distinguidos todos os seus filmes que foram a Cannes: aconteceu com "Como Matei a Minha Mãe" (2009), quando tinha apenas 20 anos, "Amores Imaginários" (2010), "Laurence Para Sempre" (2012) e "Mamã" (2014).

O Prémio do Júri, que funciona como a terceira posição, foi para "American Honey", da realizadora britânica Andrea Arnold, repetindo as distinções recebidas em 2006 por "Sinal de Alerta" e três anos mais tarde por "Aquário".

“The Salesman”, do realizador iraniano Asghar Farhadi, ganhou dois prémios, uma raridade em Cannes: melhor argumento e melhor ator para Shahab Hosseini, uma surpresa, tal como o prémio de melhor atriz para Jaclyn Jose for “Ma’ Rosa”.

De facto, o palmarés surpreende porque deixa de fora praticamente todos os títulos que eram apontados como favoritos: "Toni Erdmann", de Maren Ade, "Elle", de Paul Verhoeven, "Paterson", de Jim Jarmusch, "Sieranevada", de Cristi Puiu, "Loving", de Jeff Nichols, e principalmente "Aquarius", de Kleber Mendonça Filho, já que pelo menos a interpretação de Sônia Braga era vista como a grande favorita.

As duas curtas-metragens de Portugal a concurso também saíram de Cannes sem qualquer prémio: "Campo de víboras", de Cristèle Alves Meira, e "Ascensão", de Pedro Peralta, apresentadas na Semana da Crítica, secção paralela do Festival.

Um dos momentos da noite foi unânime: a Palma de Ouro honorária para Jean-Pierre Léaud, aplaudido longamente de pé pelo público.

"Nasci em Cannes, em 1959, depois da exibição de 'Os 400 Golpes", de François Truffaut", lembrou emocionado o ator, de 72 anos, que foi ao Festival pela primeira vez aos 14.

"No final da projeção, fui aclamado sob um mar de aplausos", completou.

"Sinto hoje a mesma alegria profunda que há 58 anos, quando o François me deu o argumento de 'Os 400 Golpes' e disse, 'Toma, Jean-Pierre, ganhaste o papel principal'".

"Nunca quis construir uma carreira, mas escolhi filmar com realizadores que amo e admiro", completou.

"Uma frase de Jean Cocteau passou-me pela cabeça: 'O cinema é a única arte que captura a morte em ação'".

PALMARÉS OFICIAL

PALMA DE OURO

"I, Daniel Blake", de Ken Loach (Grã-Bretanha)

GRANDE PRÉMIO
"Juste la fin du Monde", de Xavier Dolan (Canadá)

PRÉMIO DO JÚRI
"American Honey", de Andrea Arnold (Grã-Bretanha/EUA)

REALIZAÇÃO (ex-aequo)
Cristian Mungiu ("Bacalaureat") (Roménia)
Olivier Assayas ("Personal Shopper") (França)

INTERPRETAÇÃO FEMININA
Jaclyn Jose ("Ma’Rosa", de Brillante Mendoza) (Filipinas)

INTERPRETAÇÃO MASCULINA
Shahab Hosseini ("Forushande/ The Salesman", de Asghar Farhadi) (Irão/França)

ARGUMENTO
Asghar Farhadi ("Forushande/ The Salesman", de Asghar Farhadi) (Irão/França)

PALMA DE HONRA
Jean-Pierre Léaud (ator)

SECÇÃO CÂMARA DE OURO (distingue uma primeira obra apresentada em qualquer secção)
"Divines", de Uda Benyamina (França)

SECÇÃO CURTAS-METRAGENS
PALMA DE OURO
"Timecode", de Juanjo Giménez Peña (Espanha)

MENÇÃO ESPECIAL DO JÚRI
"A Moça que Dançou com o Diabo", de João Paulo Miranda Maria (Brasil)

SECÇÃO UN CERTAIN REGARD 

PRÉMIO UN CERTAIN REGARD
"Hymyilevä Mies/The Happiest Day in the Life of Olli Mäki", de Juho Kuosmanen (Finlãndia/Alemanha/Suécia)

PRÉMIO DO JÚRI
"Fuchi ni tatsu/Harmonium", de Kôji Fukada (Japão/França)

REALIZAÇÃO
Matt Ross ("Captain Fantastic") (EUA)

ARGUMENTO
Delphine Coulin, Muriel Coulin ("Voir du Pays", de Delphine Coulin, Muriel Coulin) (França/Grécia)

PRÉMIO ESPECIAL
"La Tortue Rouge", de Michael Dudok de Wit (França/Japão)