“Olmo e a Gaivota” estreia esta quinta-feira e traz um enfoque indie para um tema universal: a relação da mulher com o mercado de trabalho (ou com a sua arte, no caso em questão) no contexto da gravidez. Na origem do projeto está uma prática habitual do festival dinamarquês CPH, que consiste em unir talentos do seu país com artistas de outras partes do mundo.

Foi assim que a brasileira Petra Costa, que encantou o circuito alternativo com “Elena”, uniu forças com Lea Glob para misturar Virginia Woolf, teatro, docuficção e gravidez numa proposta tão simples quanto complexa, tão emocional quanto filosófica.

Presente no IndieLisboa durante a antestreia do filme em Portugal, a realizadora dinamarquesa conversou com o SAPO MAG sobre o complicado papel da mulher na sociedade contemporânea…

Diário de uma mulher grávida

“Olmo e a Gaivota” aborda o verdadeiro processo de gravidez da atriz de teatro italiana Olivia Corsini, inicialmente convidada para protagonizar o projeto das realizadoras.

Conforme conta Glob, a ideia era um filme baseado em “Mrs. Dalloway”, o clássico literário de Virginia Woolf onde, para além de ser uma obra que reunisse questões pertinentes relacionadas à feminilidade, tinha o atrativo de um enredo “onde nada acontecia no mundo real, tudo acontecia na cabeça dela”.

Pelo meio do caminho, no entanto, o projeto tomou um curso completamente diferente quando Corsini engravidou e disse estar impossibilitada de seguir com o projeto.

“Foi neste momento que mudámos o foco do filme e decidimos retratar o processo de gravidez e a complicada relação dela com a sua arte. Então ela passou a escrever um diário e a gravar desde o início da gravidez os seus fluxos de consciência e, essencialmente, este tornou-se o material sobre o qual trabalhamos”.

Egocentrismo

A corealizadora concorda que, na sociedade contemporânea, o estímulo extremo ao individualismo não ajuda muito na hora de uma mulher abrir mão da sua vida em função de um “outro”.

“Certamente há imensas questões relacionadas com o individualismo e o narcisismo. Ter um bebê expõe-te a isso e tira parte da tua vida ao mesmo tempo que lança questões como ‘serei uma boa mãe?’, ‘realmente quero’ etc. Para uma atriz de teatro é um dilema particularmente importante por causa do seu trabalho, pois quando volta tem de fazer o mesmo papel, mas o seu físico mudou. E o facto de ser artista ainda agrava o seu egocentrismo e o seu narcisismo…”

Suicídio

O pano de fundo da união entre as duas realizadoras pelo CPH, no entanto, foi bem mais trágico: enquanto “Elena” era também uma docuficção de Petra Costa sobre o suicídio da irmã, a curta-metragem “Modet med min far Kasper hojhat”, de Lea Glob, abordava o desaparecimento do pai através do mesmo recurso.

“São ambos filmes muito pessoais, marcados por histórias muito fortes em torno da temática do suicídio, que é muito delicada. Por isso eles puseram-nos juntas. Depois tivemos uma reunião em Copenhaga, pois não nos conhecíamos antes, para encontrar um terreno comum para trabalharmos num novo filme”.

Aborto

As realizadoras receberam o prémio de “Melhor Documentário” na Mostra do Rio, no Brasil, no ano passado.

A receção do troféu foi polémica: Petra Costa defendeu o direito ao aborto e à decisão sobre o futuro da gravidez. O assunto é controverso nos países católicos.

“Bom, na Dinamarca também. Penso que, de modo geral, existe bastante igualdade na distribuição de tarefas relacionadas com os cuidados dos filhos, mas este tema do papel da mulher e da gravidez também é complicado lá. Mas imagino que não seja tanto como nos países católicos”.

Razão e sensibilidade

O filme toma um rumo inesperado, no entanto, onde um caráter emocional substitui as angustiadas questões com que a protagonista se debate no seu decurso. Sem poder revelar muito, Lea concorda que o final acaba por ser surpreendente.

“É importante que as cenas, como as do pós-crédito, estejam lá, pois foram feitas noutro lugar e têm um enfoque completamente diferente”, observa.

Teaser "Olmo e a Gaivota".