No mundo do cinema atual, só há um realizador que fale tão rapida e apaixonadamente sobre a Sétima Arte como
Martin Scorsese. O seu nome é
Quentin Tarantino e, desde a sua estreia em
«Cães Danados» até ao mais recente
«Sacanas sem Lei», tornou-se um verdadeiro mito, o símbolo maior de uma cinefilia feita por via dos clubes de vídeo e de um profissionalismo que não precisou de passar pelas escolas de cinema.
«Pulp Fiction»,
«Jackie Brown», o díptico
«Kill Bill» e
«Grindhouse: À Prova de Morte» integram uma filmografia que tem gerado paixões, e que tem em
«Django Libertado» o seu mais recente fenómeno: um «western spaghetti» quem está a gerar polémica pela forma livre como aborda o tema da escravatura.

O nome de Django

«O protagonista chama-se Django, em primeiro lugar, porque é um nome muito «cool». Para mim, é o mais icónico de todos os nomes ligados ao «western-spaghetti», significa mais que a personagem que o
Franco Nero interpretou
no filme original. E acaba por ser também uma homenagem ao [realizador]
Sergio Corbucci, que estou muito contente por poder fazer. A verdade é que, depois da estreia do primeiro «Django», houve umas 40 sequelas não autorizadas ao longo dos anos, geralmente só usando o nome e mais nada. A quantidade foi tal que o nome acabou por se tornar um arquétipo do «western spaghetti». Por isso, apesar do meu filme ser um grande épico, fico muito orgulhoso por integrar a grande tradição dos filmes roubados ao «Django» que nada têm a ver com o original».

A participação de Franco Nero

«A participação do
Franco Nero, o Django original, no «Django Libertado» começou apenas como um «cameo» e acabou por se tornar um papel a sério. Ele interpreta um proprietário de escravos, Amerigo Vessepi, que é um amigo do Calvin Candie, a personagem interpretada pelo
Leonardo DiCaprio. Quando eles são apresentados, está a haver um luta entre escravos por apostas. O do Amerigo, o Luigi, está a lutar contra o do Calvin, o Big Fred. E claro que há uma sequência em que não resisti a colocar lado a lado os dois Djangos, o
Jamie Foxx e o Franco Nero».

Uma rodagem menos divertida que o habitual

«As minhas rodagens são sempre muito divertidas, porque eu acredito mesmo que a filmagem tem de ser um momento de prazer. É um privilégio podermos fazer o que fazemos. As minhas equipas são a minha família e fazer estes filmes é a minha oportunidade de viver a vida ao máximo. O tema da escravatura, no entanto, era mais difícil que aquilo em que tinha trabalhado antes. Tínhamos um elenco e uma equipa maioritariamente negra e toda a gente teve de lidar com o tema da escravatura, ainda por cima ao filmar no Sul dos EUA, onde tudo se passou. Aquilo trouxe muita coisa ao de cima mas fez com que ficassemos todos muito mais próximos. Foi uma experiência mais comovente que o habitual».

Um «western» com coisas para dizer e pessoas para matar

«Há muito mais cenas de espaços abertos em «Django Libertado» que em qualquer outro dos meus filmes. Mesmo assim, eu ainda tenho as minhas peças de câmara, as minhas cenas de jantar à
Max Ophüls. Mas sinto que os planos bonitos são uma armadilha em que os «westerns» caíram a partir de finais dos anos 70 e de que nunca mais se livraram. Na maioria dos casos, os «westerns» recentes ficaram presos a visuais bonitos e poéticos, com filmagens de cordilheiras de montanhas e de lindos pores do sol. Não estou a dizer que também não filmei as duas coisas, mas tem-se ficado demasiado apanhado por esse lado visual da história e depois o filme torna-se pastoral. É por isso que muita gente que cresceu nas ultimas gerações acha que os «westerns» são aborrecidos, porque todos os «westerns» que viram desde os anos 80 tendem a ser de facto um pouco aborrecidos. O «Django Libertado» não é um filme sobre as montanhas ou as nuvens a passar, temos coisas para dizer e pessoas para matar. Isto é mais um «western» de lama e sangue».

Os «westerns» recentes

«Mesmo assim, tem havido alguns «westerns» bons. Gostei do
«O Assassínio de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford», gostei do
«Indomável», há um dos anos 80 de que gosto muito, realizado pelo
Lamont Johnson,
«Os Conquistadores do Oeste» [«Cattle Annie and Little Britches», no original]. E o
«Barbarosa» também era muito bom».

Escravatura e humor

«Bom, eu falo sempre muito a sério nos meus filmes, nomeadamente neste, mas não completamente a sério. Para mim, parte do problema quando o tema da escravatura foi abordado no cinema é o de ter tido sempre um intenso contexto histórico a enquadrá-lo, parece sempre uma aula de História ou então uma coisa muito sentimental, como se fosse um telefilme. Eu queria tratar este tema dentro das convenções do cinema de género, tratá-lo tal como ele era, de forma direta mas deixando-o ser tão violento e tão brutal como foi na realidade. O que se encaixa nos «western-spaghetti», que são tradicionalmente violentos e brutais. O objetivo era fazer isso e ainda conseguir contar uma história excitante e manter intacto o meu humor».

O final dos filmes

«Quando começo a escrever um filme, nunca sei exactamente qual vai ser o fim. Quer dizer, geralmente acho que sei, mas depois as coisas acabam por ser diferentes. Mesmo no «Kill Bill», era mais ou menos seguro assumir que no final ela mataria o Bill, mas como é que isso ia acontecer eu não sabia».

O produtor Harvey Weinstein

«Ele tem muito má fama mas nós não podíamos ser mais próximos. Ele é o meu pai e o meu padrinho cinematográfico. A realidade é que se eu estou aqui hoje sentado, com vários filmes feitos, devo-o a ele. Se não tivesse sido ele, eu não teria feito os filmes que fiz e da maneira e com a liberdade com que os fiz. A minha filmografia provavelmente teria sido diferente, porque não poderia ter seguido a minha musa com total liberdade se não tivesse o apoio completo dele. E agora, quando eu faço um filme desafiador como este, com um tema tão sério, até acontece o contrário: os estúdios mal podem esperar para lhe deitar a mão e investir».

Rodar com Leonardo DiCaprio

«Ele tem tido interpretações absolutamente ferozes nos últimos anos. Para lhe dizer a verdede, quando eu escrevi esta personagem eu tinha em mente uma pessoa mais velha, não a escrevi para o Leo. Mas ele leu o argumento, adorou a personagem e eu achei que a coisa podia resultar ainda melhor do que tinha pensado. Começámos a pensar nele como uma espécie de Luís XIV pervertido. Porque é preciso compreender que no Sul dos EUA, alguém que tinha propriedades tão grandes e tantos escravos e famílias brancas a morar na sua plantação, era quase um rei dentro daquela terra. Portanto, ele podia ser como o Calígula, um imperador louco, que foi uma ideia que me fazia todo o sentido. A personagem dele já está na quarta geração de proprietários do algodão, e ele está aborrecido com aquele negócio, que era do pai, do avô e do bisavô. Por isso, decidiu investir na luta até à morte entre os escravos».

A participação de Don Johnson

«Tem-se falado de uma ressurreição de carreira do
Don Johnson por participar no «Django Libertado», como a que sucedeu com o
John Travolta no «Pulp Fiction», mas isso não faz sentido algum. Aquilo que se passou com o John foi um fenómeno, não dá para repetir, e ainda por cima ele era a estrela do filme. Mas o Don Johnson é um tipo de quem eu gosto muito, eu já era fã dele antes do «Miami Vice», costumava ver os filmes todos dele nos anos 70, por isso quando ele se tornou uma estrela graças à série eu disse «até que enfim, sou fã dele desde criança». E ele faz um papel ótimo no filme, como Spencer «Big Daddy» Bennett. Eu costumo projetar filmes durante o período de rodagem e um dos que mostrei desta vez foi o
«Return to Macon County», que é um bom filme dele com o
Nick Nolte dos anos 70. Ele estava lá e foi espetacular».

Haverá um «Kill Bill 3»?

«Ainda não é certo que vá acontecer um terceiro «Kill Bill». Pelo menos não acontecerá para já. É que a história vai envolver a filha da
Vivica A. Fox, que entretanto já cresceu e se vai vingar da
Uma Thurman. Por isso ela terá de fazer pelo menos 18 anos. E como ela só tinha oito no último filme, ainda temos algum tempo».

Veja aqui a entrevista do SAPO a Jamie Foxx. Não perca amanhã a conversa com Christoph Waltz.