“A recuperação do cinema nessa sala tem um significado muito grande, não para uma geração mais nova, mas para uma geração anterior, que via filmes pelos anos 80 e anteriores e que se revê naquela sala”, adiantou, em declarações à Lusa, Jorge Paulus Bruno, presidente do cine-clube.

Fundada há 139 anos, a Sociedade Filarmónica de Instrução e Recreio dos Artistas, sedeada em Angra do Heroísmo, começou a exibir cinema em 1946.

A sala de cinema, reconstruída após um sismo em 1980, tem cerca de 300 cadeiras, que na última década estiveram vazias.

Apesar de necessitar de alguns melhoramentos, a sala da Recreio dos Artistas voltou a abrir ao público, primeiro com o ciclo de cinema europeu “O Cinema da minha vida” e depois com a mostra de cinema português contemporâneo “Cine Altântico”, que acolheu a estreia nacional do filme “Zeus”, de Paulo Filipe Monteiro, ambos organizados pelo Cine-Clube da Ilha Terceira.

“É uma sala que tem algumas dificuldades atuais ao nível do equipamento, que nós, se houver condições, de investimento, com a própria direção da Recreio dos Artistas, procuraremos melhorar”, salientou Jorge Paulus Bruno.

José Manuel Medeiros tem 70 anos, tantos quanto as primeiras sessões de cinema na Recreio dos Artistas, e durante 34 anos foi projecionista.

Aos 14 anos, já levava a máquina de projeção ambulante da Recreio dos Artistas às freguesias da ilha Terceira e, depois de uma pausa para cumprir o serviço militar, ficou responsável pela exibição de todos os filmes na sede.

Nessa altura, havia cinema todos os dias e ao fim de semana em dose tripla: matiné, às 14:00, primeira sessão, às 18:30, e segunda sessão, às 21:15.

Atualmente, o cinema está a cargo das duas câmaras municipais da ilha Terceira. Em Angra do Heroísmo, há uma sessão por dia, de quinta a segunda-feira, excepto quando existem sessões infantis, e na Praia da Vitória, apenas ao fim de semana.

Quando José Manuel Medeiros começou a exibir filmes, o bilhete mais barato da matiné custava 2,5 escudos, o que era elevado para a época, mas a sala enchia quase sempre e até havia quem pagassem para ter uma cadeira reservada durante todo o ano.

“Estava quase sempre cheio. Ao sábado e ao domingo geralmente estava sempre cheio. Na altura só havia cinema e futebol”, recordou o antigo projecionista, em declarações à Lusa.

Na década de 70, chegaram a existir em Angra do Heroísmo três salas de cinema, a Recreio dos Artistas, o Teatro Angrense e Fanfarra Operária Gago Coutinho e Sacadura Cabral, mas nenhuma se queixava de falta de público.

“Havia pessoas que iam ao Teatro Angrense ver a primeira sessão e vinham à Recreio dos Artistas ver a segunda, ao domingo”, salientou José Manuel Medeiros.

A Recreio dos Artistas levava também o cinema às sociedades filarmónicas das freguesias e nas festas de verão não podia faltar um filme português, normalmente exibido ao ar livre no adro da igreja.

Os filmes estrangeiros chegavam à ilha cerca de um ano depois da sua estreia ou dois anos depois, se tivesse sido nomeado para os Óscares.

As bobines passavam primeiro pelas antigas colónias portuguesas e chegavam às mãos de José Manuel Medeiros já demasiado gastas.

O antigo projecionista ainda se recorda dos assobios do público na primeira exibição de um filme em que passava a música “Noiva”, de António Prieto.

“O filme estava que era uma miséria. Na primeira sessão rebentou-me 18 vezes. Assobiadela, sapateado no sobrado. Acabou o filme, eu vim para o quarto arranjar aquilo, mas eu só tinha 20 a 25 minutos. Rebentou oito vezes na segunda sessão”, contou.

A televisão e os videoclubes afastaram a população da ilha Terceira do cinema, mas a Recreio dos Artistas foi a última das três salas tradicionais a encerrar.