Raul Solnado foi um dos nomes maiores do teatro em Portugal, actor de uma amplitude de registos imensa, que a fulgurante capacidade para o humor popularizou tanto nos palcos como na rádio e na televisão. E se o cinema, como sucedeu a tantos outros grandes intérpretes portugueses, poucas vezes soube dar a real dimensão do seu talento, ainda lhe forneceu alguns papéis incontornáveis.

As suas primeiras prestações no grande ecrã datam do final da década de 50, em pequenos papéis que geralmente aproveitavam o seu jeito para comédia, entretanto já difundido na revista e na rádio. A parelha que faz com Fernanda Borsatti em
«Sangue Toureiro» (1958), de Augusto Fraga, a primeira longa-metragem nacional a cores, é disso exemplo. É esse mesmo realizador a dar-lhe o primeiro papel de protagonista, ainda no mesmo ano, na comédia de sucesso
«O Tarzan do 5º Esquerdo».

Mas a grande marca no cinema português deixou-a com um dos filmes mais saudados e discutidos da época:
«Dom Roberto» (1962), realizado por Ernesto de Sousa. Esta história de um triste bonecreiro (Solnado, inesquecível) apaixonado por uma rapariga (Glicínia Quartin) marcou a diferença numa época de filmes portugueses indiferentes e vazios, com dramas serôdios e comédias já desprovidas de encanto. De inspiração neo-realista e veia poética muito presente, «Dom Roberto», apesar das fragilidades, impressionou o suficiente para chegar a ser apresentado no Festival de Cannes. Ainda por cima recusou apoios estatais e fez-se unicamente com investimento privado, por via do movimento cine-clubista, então pujante e que pugnava por um «novo cinema português». Este chegaria dois anos mais tarde, mas tinha aqui um primeiro farol, agigantado pela interpretação do protagonista, das poucas que permanece intocada num filme que, em si mesmo, não envelheceu bem.

Nesse mesmo ano, Solnado foi ainda o actor principal do pouco feliz
«O Milionário», de Perdigão Queiroga, mas apesar de protagonizar no Brasil a comédia
«O Rapto do Ascensor», em 1975, só voltaria a surgir no grande ecrã em 1986, mas logo no grande papel da sua carreira cinematográfica:
«A Balada da Praia dos Cães», de José Fonseca e Costa, adaptado do romance de José Cardoso Pires. O papel do polícia forçado a investigar o assassinato de um major era de um dramatismo cru e triste, radicalmente oposto à imagem humorística que então já era lendária na mente de todos os portugueses. Também um papel inverso à figura do inocente simpático lhe calhou no ano seguinte no grande ecrã, como o Inspector Aranha num filme de longa gestação, «O Bobo», de José Álvaro de Morais, numa curta mas impressionante prestação.

Depois, Raul Solnado só regressou ao cinema em curtos papéis: duas co-produções europeias,
«Aqui D’El Rei» (1992), de António-Pedro Vasconcelos, e
«Requiem» (1998), de Alain Tanner, a média-metragem
«Senhor Jerónimo» (1998), de Inês de Medeiros, e o grande êxito
«Call Girl», como o pai debilitado e comunista de Nicolau Breyner. Tudo exemplos de um talento sem limites, num dos actores que os portugueses mais profundamente amaram.