A resposta mais simples e direta à pergunta é que, em 1977, o que tornava “Star Wars” tão diferente da oferta cinematográfica habitual era… praticamente tudo. E isso hoje, de facto, pode parecer estranho, de tal forma muito do cinema que hoje preenche os "multiplexes" é, para o mal e para o bem, filho do enorme sucesso de “Star Wars” (mas não só).

Mas em 1977, tudo era diferente, a todos os níveis, e “Star Wars” fez figura de verdadeiro OVNI, cujo sucesso esmagador surpreendeu toda a gente, incluindo todos os que o fizeram.

Por um lado, há uma questão pura e simples de oferta: hoje em dia pode parecer bizarro, tão inversa é a situação, mas naquela altura uma criança ou um adolescente que fosse ao cinema teria que procurar com uma lupa por filmes que lhe fossem dedicados. De facto, em consequência da cada vez maior abertura de mentalidades e da renovação geracional, o cinema norte-americano da década de 70 era marcadamente adulto, muito negro e bastante cínico, com uma tendência cada vez maior para o sexo e para a violência, fruto da contracultura da época, que rejeitava os padrões conservadores que durante tanto tempo parecem ter norteado o cinema de Hollywood (pelo menos nas leituras mais superficiais).

Entre os maiores êxitos da década contam-se “O Padrinho”, “O Exorcista”, “Voando Sobre um Ninho de Cucos”, “Tubarão” e “Taxi Driver”, filmes verdadeiramente excepcionais mas que dificilmente gerariam paixões assolapadas entre os jovens que então descobriam o cinema. Ainda por cima, a Disney, tradicionalmente um porto seguro para esse tipo de fitas de aventuras mais familiares, estava então (dez anos após a morte do seu fundador) num auge de decadência que só seria verdadeiramente superado uma década depois, com a entrada em cena de uma nova equipa criativa.

Assim, quando “Star Wars” chegou às salas, com o seu herói vestido de branco e o seu vilão trajado de negro, em que bons e maus estavam nitidamente bem definidos e separados, o conceito em si parecia vir já de outra galáxia. De repente, todos os códigos clássicos do western e das histórias de cavalaria, dos filmes de aventuras e dos 'serials' de ficção científica, voltavam a cristalizar-se num filme que assumia um 'sense of wonder' sem ponta de cinismo que já ninguém considerava possível. Mas era… e fez toda a diferença. Toda uma geração se reviu naquele filme, que voltou ao cinema para re(vi)ver vezes sem conta: para muitos, “Star Wars” foi a porta de entrada na paixão pelo cinema, que os filmes seguintes só aprofundaram.

Mas não foi só isso: havia muito em “Star Wars” que nunca se tinha visto, pelo menos feito daquela maneira. É certo que tudo ali trazia atrás de si referências e inspirações do imaginário cinematográfico das décadas anteriores mas muito ali era diferente de tudo o que até então se vira, muitas vezes cena a cena. Desde o plano inicial da nave (nunca se tinha visto uma filmada daquela maneira) até à cena do bar onde as mais desvairadas criaturas conviviam sem qualquer estranheza, passando pelas imagens de Tatooine com dois sóis, seguindo pelos diálogos com referências crípticas a jedis, banthas e parsecs e culminando na representação de uma realidade em que, das naves aos cenários, tudo era fervilhante de energia: inversamente ao habitual nas fitas de ficção científica, quase sempre cristalinas, assépticas e sem vida, aqui as naves eram quase sempre velhas, os ambientes eram poeirentos e semi-degradados e todos os detalhes que iam surgindo de forma aparentemente solta pareciam ter uma história por trás, ou seja estávamos perante um universo vivo e vivido, com um passado para trás em que o espectador queria mergulhar. Era uma fantasia em que, afinal, tudo era muito mais real.

Ainda por cima, havia uma componente nova e inesperada: velocidade. Quando “Star Wars” carregava no acelerador, tudo parecia seguir à velocidade da luz, de forma vertiginosa e alucinante, com uma energia sem paralelo. Para quem ia ao cinema em 1977, “Star Wars” era uma experiência de cortar a respiração.

No meio disto, claro, estavam as personagens, sem as quais nada resultaria. Se o ponto de referencia universal era a inocência e pureza de Luke Skywalker, mais uma vez sem ponta de cinismo, e se Darth Vader era o seu contraponto negro e maligno, o elenco que os rodeava saía mais fora da caixa e garantia que havia muito mais para mastigar que aquele preto e branco muito à superfície.

A dupla de robôs C-3P0 e R2-D2 garantia o contraponto cómico, a princesa Leia, interpretada por Carrie Fisher, era o oposto da dama em perigo habitual e batia-se de igual para igual com os rapazes, e, principalmente, o mercenário com coração de ouro Han Solo (que lançou Harrison Ford no estrelato) injectava no filme um olhar céptico, descrente e exterior sobre todos aqueles heroísmos (supostamente) fora da moda, neutralizando assim qualquer doçura ou lamechice adicional em que o filme arriscasse cair. E a conversão final de Solo ao heroísmo (então inesperada, hoje mais que adivinhada), no regresso da Millenium Falcon à refrega no espaço, provocou uma das reações mais genuínas de entusiasmo do cinema da época, com muitos espectadores a saltaram literalmente da cadeira em aplauso.

Claro que, para lá do filme, há outras circunstâncias a ter aqui em conta. Em 1975, dois anos antes, “Tubarão”, de Steven Spielberg, lançara a era dos 'blockbusters' de verão, que mudariam muita coisa no cinema. Se antes a regra era estrear na sala principal de uma grande cidade e ir aos poucos espalhando o filme por todo o país, a partir de “Tubarão” (e de forma crescente até aos dias de hoje) a estratégia passou a ser a de concentrar a estreia no maior número possível de salas logo no primeiro fim-de-semana, alavancada numa enorme campanha de marketing. O filme de Spielberg foi a primeira vez que isso funcionou de forma brutal, o de George Lucas foi a segunda, mesmo que a escala seja risível aos dias de hoje: “Star Wars” estreou ao mesmo tempo numas astronómicas… 40 salas.

O próprio Lucas foi muito além do plano de marketing proposto pelo estúdio, assegurando, por si próprio, promoção na ainda pouco expressiva Comic-Con de San Diego e junto do 'fandom' da ficção científica, além de uma adaptação em BD e de merchandising alusivo ao filme. Aliás essa preocupação de fazer a série viver além do grande ecrã (antes da estreia, como promoção, e depois da estreia, para manter o hype) só os filmes da Disney e de James Bond trabalhavam, e em muito menor escala. E tão inesperada era essa abordagem que a Fox lhe cedera à cabeça a totalidade desses direitos, que considerava irrelevantes, algo impensável nos dias de hoje, e que o tornou milionário.

De resto, naquela altura, ninguém achava que o filme seria sequer um sucesso, quanto mais o fenómeno que foi. Entre os atores havia queixas de que o argumento era idiota e ininteligível, e numa rodagem em que a maioria dos efeitos visuais não era perceptível (mesmo a voz de James Earl Jones só seria adicionada a Darth Vader em pós-produção) nenhum dos intérpretes tinha a noção do que o filme realmente era.

De todos os que viram a primeira versão do filme nessa fase ainda inacabada só um achou que não seria um fracasso e apostou mesmo que seria um sucesso gigantesco: chamava-se Steven Spielberg e tinha, também ele, um filme de ficção científica prestes a estrear, “Encontros Imediatos do Terceiro Grau”. Lucas e Spielberg apostaram que seria o filme do outro a ser o grande campeão de bilheteira e como tal trocaram 2,5% de lucros da respetiva fita. Spielberg ganhou e ainda hoje recebe 2,5% de lucros de “Star Wars”…

E se alguns críticos desentenderam na altura o filme, os espectadores glorificaram-no de forma única, entre eles futuros cineastas de várias idades que tiveram ali um farol de criatividade que lhes pôs a imaginação a fervilhar: J.J.Abrams, Christopher Nolan, James Cameron, Peter Jackson, David Fincher, Joss Whedon, John Lasseter, Roland Emmerich, Kevin Smith ou John Singleton são alguns dos que confessaram publicamente a imensa influência que o filme teve nas suas carreiras. Quem diria que aquele OVNI que aterrou nas salas de cinema em 1977, que era tão diferente de tudo o que então estreava, teria afinal uma descendência tão distinta?

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