Em entrevista à Lusa a partir do Peru, através da plataforma Zoom, Susana Baca confessou que vê a situação no seu país “muito difícil”.

“Tenho muita esperança nos jovens, mas os jovens saem às ruas para protestar, para dizer o que pensam e o que sentem e são mortos. Então, a situação no Peru não é nada agradável de se viver”, lamentou.

O Peru está a viver uma crise política que começou no final do ano passado. Em dezembro, o então Presidente, Pedro Castillo, que enfrentava várias investigações por corrupção, tentou dissolver o Congresso, mas foi-lhe impugnado o mandato, foi detido e substituído pela então vice-presidente, Dina Boluarte.

Castillo, o primeiro líder do Peru de origem rural andina, nunca foi aceite no Palácio Presidencial pela elite e a oligarquia da capital, e pelos principais ‘media’ detidos por empresários milionários.

Após a detenção de Castillo, começaram a acontecer várias manifestações no Peru, que se prolongaram durante meses, desencadeando a mais grave crise de violência política em mais de duas décadas no país. Nos protestos, morreram dezenas de pessoas e centenas ficaram feridas, sobretudo devido à atuação das forças policiais e militares.

Para Susana Baca, os governantes “não querem ouvir ninguém”: “querem governar por cima, atacando, prendendo pessoas, maltratando os jovens, insultando-os”.

“É bastante triste e sinto que aqueles que nos governam não sabem governar. Acreditam que a repressão é a única forma de diálogo. Não querem ouvir os jovens. Não querem ouvi-los, porque sabem que lhes dirão coisas que são verdades”, defendeu.

A crise política que abala o Peru é também reflexo do enorme fosso entre a capital, Lima, e as províncias pobres que apoiam Castillo, “lugares esquecidos pelo governo”.

“Precisamos de melhores escolas, melhor sistema de saúde, para que todas as pessoas que vivem neste território tenham direito à vida. E estes governantes não têm isso nos seus planos. Não têm, porque vêm servir-se do que o Estado pode dar-lhes e não lhes importa nada o povo deste país”, criticou.

Para Susana Baca, Pedro Castillo “poderia ter sido um bom presidente, mas nunca se preparou”.

A cantora reconhece que Castillo queria “que os pobres não fossem mais pobres”, um trabalho “que precisa de ser feito”, mas para o qual “não estava capacitado”.

“Ele chegou ao poder e não percebeu que tinha muito pouco apoio, mas que tinha de governar todo o Peru. E tinha de rodear-se de gente capaz”, disse.

Susana Baca recordou que quando aceitou o cargo de ministra da Cultura do Peru, em 2011, havia “coisas concretas, sobre direitos, lei, coisas muito concretas, que não sabia”.

“Então tive de rodear-me de pessoas que me aconselhassem, e que o seu papel não fosse dizer ‘sim senhora, você está certa’, mas ‘não, não Susana, você não está certa’”, lembrou, dizendo que sentiu que Pedro Castillo “assumiu o poder, e sentiu-se poderoso, e talvez com isso cobrisse todas as suas carências”.

“Ele era um homem da serra, provinciano, ‘cholo’, a quem devem ter fechado a porta 25 vezes. Mas não é porque assumes uma posição importante, que pensas ‘agora vou vingar-me de tudo o que fizeram comigo’. Esse senhor não teve capacidade para governar. Não teve a grandeza de procurar pessoas para aconselhá-lo e seguir um caminho e ter uma intuição de um caminho”, referiu.

Susana Baca considera que vive “num país racista”, e lembra-se com tristeza que lhe “fecharam muitas portas por ser negra”.

“Agora toda gente me respeita, porque tenho três Grammys, tenho conquistas no mundo, consegui que a música afro-peruana seja ouvida em todo o mundo, com todas as minhas digressões, nos palcos mais importantes. Agora respeitam-me, mas antes essas mesmas pessoas fechavam a porta na minha cara”, contou.

A cantora peruana, de 78 anos, regressa a Portugal este mês, no âmbito da digressão do álbum “Palabras Urgentes”, premiado pela revista Songlines. A cantora tem espetáculos marcados no Teatro Tivoli, em Lisboa, no dia 04, no Auditório de Espinho, no dia 06, e no Theatro Circo, em Braga, no dia 7.