“A proposta de Tiago Torres da Silva e Rodrigo Costa Félix, neste álbum, é profundamente original", salientou à Lusa Vieira Nery, para acrescentar em seguida: “Trata-se, nada mais, nada menos, do que propor um Fado cuja lírica possa ser capaz de entrar no imaginário infantil e de assim se tornar, também ele, veículo de perguntas e de sonhos, de jogos e de brincadeiras, de curiosidades e de aprendizagens”.

O disco é constituído por 12 fados, todos com letras originais de Tiago Torres da Silva, interpretados em melodias tradicionais como os Fados Três Bairros, Menor, Corrido, Ginguinha ou Seixal.

“As melodias são as do próprio tronco fundamental do género, desde o Menor e o Mouraria, aos grandes fados de quadras, quintilhas e sextilhas de Alfredo Marceneiro, de Armando Machado, dos irmãos Miguel e Casimiro Ramos e de outros ainda, que ficaram como pilares da tradição fadista da primeira metade do século XX”, realçou Nery, autor da obra “Para uma História do Fado”.

Além de Rodrigo Costa Félix, que canta no Fado Menor, “O Pai de Todos os Fados”, o álbum, editado com o apoio do Museu do Fado e da Sociedade Portuguesa de Autores, conta com as participações de Camané, Joana Amendoeira, Cristina Branco, Ricardo Ribeiro e Katia Guerreiro, entre outros.

“As vozes, a começar pela presença matriarcal de Celeste Rodrigues [de 91 anos] - para termos bem a noção de que estamos a falar de um património que está sempre em mudança mas também se passa como um tesouro de geração em geração - são as de uma dúzia de nomes que marcaram, todos eles, lugares próprios no panorama contemporâneo do Fado”, atesta Nery.

Celeste Rodrigues canta “Não Existe Fado Antigo”, na música do Fado Pechincha, de Carlos da Maia. As outras vozes que constituem o elenco do disco são Maria Ana Bobone, Mafalda Armauth, Jorge Fernando, Ana Sofia Varela e Carlos Leitão.

O musicólogo realçou à Lusa as letras do álbum, “com a verve habitual de Tiago Torres da Silva, um dos letristas atuais de Fado que mais conscientemente se enraíza na tradição nobre dos velhos poetas populares como Linhares Barbosa, Carlos Conde ou Henrique Rego, que falam de alegria e de tristeza, de saudade e de reencontro, mas também tecem uma teia de fascínio em torno dos mistérios do Fado: o do seu canto, o do seu repertório, o das suas guitarras, o dos seus heróis e heroínas”.

Cristina Branco canta, no Fado Aracélia, de Armando Machado, “Aos Sete Ventos”, uma letra que aborda a carreira internacional de Amália Rodrigues (1920-1999), e Camané, em “Brincar aos Fados”, na melodia do fado Ginguinha, fala de “uma nova brincadeira”, em que se pode ser Amália, Mariza ou Carminho.

Para o musicólogo, que liderou a candidatura do Fado a Património Imaterial da Humanidade da UNESCO, está “aberto mais um caminho – e com estrada larga – para que o Fado possa também, sem com isso abandonar essa dimensão trágica de reflexão madura sobre as coisas da vida que lhe dá tanta da sua essência, conversar agora com um público de meninos de hoje, brincando com eles”.

@Lusa