Adrian Thaws, o nome por trás do pseudónimo Tricky, nunca foi conhecido por ser comedido nas suas afirmações. Depois de décadas ligado à música, também não era agora que ia começar. Em entrevistas recentes, o britânico tem garantido que "False Idols", o seu novo e décimo disco (se contarmos com o do projeto Nearly God, de 1996) não só deriva das atmosferas de "Maxinquaye" (1995) como supera o que foi apresentado nesse registo de estreia, habitualmente considerado uma das bíblias do trip-hop.

Exageros à parte, este regresso às edições parece ser, pelo menos ao primeiro impacto, o mais convincente desde o mal amado mas interessante "Vulnerable" (2003) - ou seja, o melhor disco de Tricky em dez anos, o que já não é pouco. O ex-colaborador dos Massive Attack também admite, aliás, que os dois antecessores mais imediatos, "Knowle West Boy" (2008) e "Mixed Race" (2010), não envelheceram especialmente bem, e neste ponto é difícil não lhe darmos razão.

Videoclip de "Nothing Matters" (com Nneka):

Depois desses capítulos menos memoráveis, "False Idols" surge como um disco revigorante, marcando o reencontro com uma identidade entretanto diluída e desgastada. Sim, a sombra de "Maxinquaye" é evidente em algumas destas canções, mas não equivale, felizmente, a um baralhar e voltar a dar ancorado em tentações nostálgicas. Em alguns momentos, como "Nothing's Changed", pode parecer que nada realmente mudou: o tema sugere um recuo de duas décadas em direção às ruas de Bristol numa noite nebulosa, onde nem falta uma voz (Francesca Belmonte, a cantora mais regular do disco) a lembrar Martina Topley-Bird enquanto se conjuga com cordas cinemáticas, muito anos 90. Se o alinhamento se guiasse sempre por este anacronismo, talvez "False Idols" acusasse excesso de naftalina, mas assim, sem réplicas, a canção é uma ponte intrigante, e atmosfericamente irrepreensível, entre o passado e o presente.

O ontem e o hoje voltam a cruzar-se ao longo destas canções e nem sempre através de "Maxinquaye", em relação ao qual "False Idols" pode considerar-se um descendente mais contemporâneo, direto e acessível (as doses de desconforto e claustrofobia são agora muito mais moderadas). Lá atrás, Tricky vai buscar também inspiração a outro álbum clássico, "Horses" (1975), de Patti Smith, logo no início de "Somebody’s Sins", a meditativa faixa de abertura ("Jesus died for somebody's sins/ but not mine", além de vincar a costela religiosa/espiritual do disco, era também a frase de arranque de "Gloria"). Na fricção de "Hey Love" e nos sussurros dopados de "Valentine" sampla, respetivamente, "Ghosts", dos Japan, e "My Funny Valentine", de Chet Baker. Tão ou mais inesperada, a agreste "Parenthesis" convoca o falsete de Peter Silberman, dos Antlers, para uma versão (recomendável) do tema homónimo da banda de Brooklyn (num dos raros episódios dominados por guitarras distorcidas).

Videoclip de "Does It" (com Francesca Belmonte):

Ao presente, Tricky vai recrutar Nneka, cuja inquietação serve bem o ambiente tenso e enérgico de "Nothing Matters" (venham mais colaborações com a nigeriana, já agora), ou Fifi Rong, mais uma confirmação da preferência do britânico por vozes femininas - neste caso, uma voz algures entre a de Nina Persson (dos Cardigans) e Lykke Li, escolha apropriada para a fragilidade de "If Only I Knew", bonita crónica de um coração partido. A linguagem atualizada de "False Idols" passa também pelo compasso nervoso e viciante de "Does It", atento às novas formas da eletrónica, e a percussão de "Tribal Drums" ou "Bonnie & Clyde" abre caminho para a pista entre resquícios turvos de dub, hip-hop ou dancehall. "Is that Your Life", contagiante acesso funky, aponta pistas que Kelis poderia seguir e "We Don’t Die" é um momento de descompressão com esqueleto instrumental mais synth pop (desconstruída e anestesiada) do que trip-hop.

Entre o insinuante e o sinuoso, "False Idols" pode não chegar ao sublime de outros tempos mas prende-nos a atenção - e o interesse - ao longo das suas quinze faixas (a exceção a saltar será o interlúdio chinês, breve tempero exótico que também não chega a incomodar). E isso, por si só, é quase um feito numa altura em que muitos decretam a morte do formato álbum. Tricky mostra-lhes que estão errados e afirma-se como um digno sobrevivente, mesmo já não tendo um hype sequer comparável ao de conterrâneos do momento como James Blake, The xx, Disclosure ou outros estetas urbanos (vejamos como estarão daqui a duas décadas). Dificilmente voltará a ser um ídolo para uma imensa minoria como nos dias de "Maxinquaye", mas é bom tê-lo de volta em forma com um disco que nunca trai essa herança.

@Gonçalo Sá