“É um álbum que entra na área da objeção de consciência, mas levada para o rock, e isso é muito o que o [Quarteto] 1111 fez [do qual foi fundador em 1967], com dezenas de canções censuradas pelo regime [de ditadura, anterior ao 25 de Abril de 1974], e uma delas é a ‘Blá!, blá!, blá!’, que agora inclui neste disco”, disse o músico em declarações à Lusa.

O álbum foi gravado ao longo do ano passado, nos estúdios da ACid Records, em sistema totalmente analógico, e conta com 13 faixas, sendo 12 canções inéditas, entre elas “Rock rural”, composta por Cid na década de 1960, que foi gravada ao vivo no Campo Pequeno, em Lisboa, e uma versão de “Don´t wanna miss a thing”, dos Aerosmith.

Das 13 canções, “De mentirosos está o mundo cheio” é a que José Cid mais gosta, e duas outras, que qualificou como “mais ligeiras”, são “O andar de Marilyn”, uma homenagem à atriz norte-americana que “enlouqueceu” a geração do músico no filme “Cataratas do Niagara” e, de “cariz autobiográfico”, a que dá título ao álbum, “Menino-prodígio”. Neste tema Cid afirma: “O menino-prodígio morreu!/ E o seu epitáfio sou eu…”.

À Lusa o músico explicou: “’Menino-prodígio’ é um termo que fui gerindo ao longo da minha existência, era uma coisa que me chamavam os amigos dos meus pais, quando era pequeno, e eu não percebia. Eu, aos três, quatro anos, já cantava e tocava piano”.

“Achei que era uma boa ideia para um tema, que é um bocadinho autobiográfico”, disse, referindo que o “menino-prodígio” morreu em 1957, quando formou a banda Babies. Mais tarde, entre outros projetos, o músico formou o Quarteto 1111.

“O tema de que mais gosto é ‘De mentirosos está o cemitério cheio’, sinto que fui muito feliz a escrevê-lo”, disse, referindo em seguida que recuperou dois temas de 1971, “Blá! Blá! Blá!” e “Monstros sagrados”.

“Há ainda, neste disco, um poema brutal de José Régio, ‘Os poetas (Há certos Reis…)’, que é muito interveniente, que tem tudo a ver com atual situação política, não só do país, como global”, sentenciou, tendo realçado ainda as canções “Aldeia global” e “Chuva ácida”.

“Este é um álbum que vinha a projetar há muito tempo, um álbum muito roqueiro, gravado e remasterizado analogicamente, apenas com três músicos - eu no Hammond e algumas teclas, o Xico Martins, nas guitarras e no contrabaixo, e o Luís Varatojo, na bateria”.

O músico afirmou que nunca gostou de gravar digitalmente. “Nunca me deu grande prazer em computadores. No analógico seleciona-se logo o que se quer ali, não há retificações, pode haver ‘takes’, mas correções em computador, daquelas que se fazem, nem pensar”, disse.

Para José Cid, as correções que se fazem de forma digital constituem um processo que “não é honesto – uniformiza, em termos conceptuais, a música toda, já ninguém desafina, já ninguém toca assim-assim, e depois soa tudo igual”.

“O analógico é o futuro pela verdade na música, e não o digital como se chegou a pensar”, e acrescentou: “A vanguarda musical inglesa está a pensar no analógico, o Sting e o Peter Gabriel, por exemplo, andam à procura dos gravadores analógicos que eu tenho nos meus estúdios”.

Referindo-se a “Menino-prodígio”, afirmou: “As pessoas vão encontrar um som muito quente, muito humanizado, percebe-se que as pessoas estão ali mesmo, sem quaisquer máquinas”.

Para o músico, este disco representa “um corte com o que já fez”, pois precisava de “avançar” e, para tal, muito contribuiu um outro projeto em que participa, o AcidJazz que o “faz cantar de outra forma, com mais ‘swing’”.

José Cid, distinguido com vários prémios, entre eles o de Consagração de Carreira, pela Sociedade Portuguesa de Autores, tem vários projetos em perspetiva, como o álbum “Clube dos corações solitários do capitão Cid”, a gravação de um disco de fados e fandangos, e um que se intitulará “Fados e Jazz, coincidências”.

Com outros músicos tem previsto o álbum “A guitarra no mundo”, com o guitarrista Luís Petisca, um álbum na área pop/rock com o seu sobrinho Gonçalo Tavares, e relançar a carreira de Paulo Bragança, que “é a história mais estranha de sempre da música portuguesa”.

José Cid afirma que não se vai “arrastar em palco”, garantiu que cantará enquanto “tiver a voz toda”, ao nível do seu critério de exigência. “Costumo dizer que não se pode correr em Fórmula 1, e acabar em ‘rally paper’”, rematou.

@Lusa