“Muito mais do que músico, Azagaia era a grande voz do cidadão moçambicano, da juventude moçambicana”, disse à agência Lusa Valete, nome artístico de Keidje Torres Lima, um dos promotores do espetáculo que na quinta-feira reúne em Lisboa 22 músicos numa homenagem ao rapper e ativista moçambicano.

Para o artista português de origem são-tomense, amigo e parceiro de Azagaia, com quem gravou seis canções, o rapper representava “as inquietudes do povo moçambicano, as angústias do povo moçambicano”.

“Provavelmente, estamos a falar de uma das figuras mais importantes de Moçambique deste século”, disse.

Valete atribui a Azagaia “a verdadeira música de intervenção, uma música de combate, militante, uma música que não faz cedências, uma música a todos os níveis comprometida com o povo”.

“Azagaia era uma ilha porque era genuíno, porque acreditava muito nas ideias que passava no mundo e para ele havia coisas que eram maiores do que as ambições do artistas” e “isto é um tipo de posição e de postura que poucos músicos têm”, observou.

Valete defendeu que se olhe para Azagaia como “uma exceção, como um gajo que abdicou de muitas coisas para retratar o povo moçambicano, com muitos custos”.

Na sua opinião, a principal mensagem de Azagaia foi “o amor por Moçambique e por África”, tendo nas letras que compôs nos últimos dez anos marcado a sua “posição vincadamente pan-africanista”.

“Azagaia acreditava numa África unida”, disse, acrescentando que “a última utopia de Azagaia era África como um só país”.

A questão colonial esteve sempre muito presente nas composições do artista moçambicano, o que Valete considerou “relativamente normal em países africanos que vieram de um passado muito recente de colonialismo”, onde “ainda existam muitos vestígios desse colonialismo”.

“Quarenta a cinquenta anos em história é quase nada numa perspetiva civilizacional”, indicou, referindo que um dos objetivos de Azagaia era combater isso e que Moçambique “conseguisse ultrapassar esse estágio”.

“Existe muito racismo em África. Existem elites brancas e mulatas que ainda controlam muito o poder político em muitos países africanos e fazem uma opressão aos negros. Existe muito em África e Azagaia falava disso”.

Numa das suas músicas mais famosas (cães de raça) Azagaia escreveu: “Expulsei colonos, mas nunca o colonialismo; Vi a merda, baixei a tampa e não puxei o autoclismo; Por isso é que a minha casa cheira mal; Preto explora preto, cheira a tempo colonial”.

Disposto a perpetuar a mensagem do colega e amigo, Valete está empenhado no espetáculo de quinta-feira, que contará com a participação de 22 artistas, embora muitos outros quisessem participar.

Sobre esta resposta, afirmou: “A classe artística é uma classe sensível, politizada, percebiam muito bem quem era o Azagaia”.

Além de Valete, Sérgio Godinho, Paulo Flores, Maria João e Karyna Gomes são alguns dos músicos que irão atuar no espetáculo que se realiza na Casa Independente, em Lisboa, e que já está esgotado.

Azagaia morreu em 09 de março, consternando milhares de fãs e sobretudo jovens que se reveem nas suas mensagens.

Depois da morte do rapper, foram organizadas manifestações em sua homenagem, mas que foram reprimidas pela polícia, o que gerou críticas de organizações nacionais e internacionais.