"Baghdaddy", que estreou na noite da passada segunda-feira à noite, conta a história real de um desertor iraquiano, Curveball, um informador cujos relatos falsos sobre armas de destruição maciça se tornaram uma justificação para a invasão liderada pelos Estados Unidos em 2003.

"Se pusermos 'Hamilton' e 'The Office' num liquidificador, o resultado é este espetáculo", diz o produtor Charlie Fink, referindo-se a Alexander Hamilton, um dos Pais Fundadores dos Estados Unidos, e à bem-sucedida série televisiva de comédia.

A trama começa no presente, no porão de uma igreja onde espiões da CIA se reúnem num grupo de apoio - ao estilo do Alcoólicos Anónimos - em busca de redenção e de compreensão pelas transgressões cometidas, as quais continuam a assombrá-los anos mais tarde.

A ação recua depois no tempo, até ao aeroporto de Frankfurt, onde o informador parece oferecer segredos de um suposto programa de armas biológicas de Saddam Hussein em troca de asilo político.

Os serviços secretos alemães consultam a CIA, onde analistas que lutam com suas as próprias ambições, amores de escritório e chefes intransigentes veem Curveball como um bilhete para fugir do tédio da rotina e como um caminho rápido para a promoção.

Baghdaddy

A farsa crescente rapidamente dá lugar aos ataques do 11 de Setembro, trocando a comédia pela tragédia, com o início de uma guerra que é travada ainda hoje, 14 anos após uma invasão que não encontrou armas de destruição maciça.

É um espetáculo acelerado que mistura o teatro musical tradicional e a dança em grupo com faixas de hip hop que carregam um alerta rígido de que a História não deve repetir-se.

Fink diz que o tema é mais relevante do que nunca no clima atual de "notícias falsas" e de "factos alternativos", enquanto alguns temem que Trump possa arrastar o país para outro conflito - na Síria, ou na Coreia do Norte.

"Tem um imediatismo que não tinha em 2015, e uma sensação de que estamos a fazer tudo outra vez", acrescenta Fink, referindo-se a um breve período durante o qual a obra esteve em cartaz há dois anos.

"Assustador"

"Parece um momento em que as regras estão a ser reescritas e a autoridade está a dar ouvidos aos seus instintos, mais do que a factos e análises, e isso é assustador", lamenta Fink.

A anteestreia, a 6 de abril, coincidiu com o dia em que o presidente ordenou um ataque com mísseis de cruzeiro a uma base aérea da Síria. Foi a primeira ação direta dos Estados Unidos contra o governo sírio de Bashar al-Assad.

Com baixo orçamento e em construção há dez anos, a obra conta com apenas oito atores que interpretam os seis papéis principais.

Baghdaddy

"Baghdaddy" regressa no auge da temporada da Broadway, competindo com mais de uma dúzia de outros novos espetáculos. Também amplia a responsabilidade pela invasão de 2003, atribuindo-a não apenas ao então presidente George W. Bush, ou ao governo dos Estados Unidos, mas também ao país como um todo e aos seus aliados ocidentais em geral.

"Todos nós erramos", diz Marshall Pailet, diretor, co-argumentista e compositor.

Longe de ver a comédia como inapropriada, Pailet diz que é um ótimo veículo para fazer os espectadores de teatro de Nova Iorque pensarem.

"Ao abrir os seus corações e mentes com a comédia, podemos introduzir substância, história, caráter e uma lição", acrescentou.

A.D. Penedo, que compôs as letras das canções e coescreveu o livro, admite que foi intimidante transformar o tema num musical que entretivesse e, ao mesmo tempo, enviasse às pessoas uma mensagem clara. "Queremos que elas fiquem entretidas e comovidas", explicou.

O espetáculo está programado para apresentações até 18 de junho, no St Luke's Theatre, um porão a poucos passos da Times Square.

Em nenhum momento, porém, a obra ri da guerra em si. Mais de 4500 soldados americanos morreram no Iraque desde 2003 e as estimativas do número de civis mortos variam de 173916 a quase meio milhão.

"Todos somos responsáveis", desabafa Fink, acrescentando que se trata de "uma ferida no mundo que não vai ser curada com lágrimas ou risos".