"Não há uma política regional ou nacional para o cante alentejano, há uma certa ausência dos poderes mais centrais em torno do património imaterial e são as câmaras municipais, acima de tudo, que têm vindo a implementar o plano de salvaguarda" do cante típico do Alentejo, diz à agência Lusa o coordenador da candidatura e diretor da Casa do Cante de Serpa, Paulo Lima.

Segundo o também antropólogo, "os municípios estão a fazer um esforço muito louvável" para salvaguardar o cante alentejano, classificado há dois anos Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO, graças a uma candidatura apresentada pela Câmara de Serpa, no distrito de Beja, e pela Entidade Regional de Turismo do Alentejo.

"Foram os municípios que sustentaram o cante alentejano durante décadas e são os municípios os responsáveis pelo que está a ser feito para o salvaguardar", diz, referindo que "sem as autarquias o movimento coral não existia ou seria muito reduzido", porque "mais de 90%" dos apoios que os grupos corais recebem são atribuídos pelas câmaras e juntas de freguesia.

Também em declarações à Lusa, o presidente da Câmara de Serpa, Tomé Pires, defende que "deveria haver um maior empenho do Ministério da Cultura" na salvaguarda do cante alentejano e uma política nacional para o património em geral com medidas específicas para os vários tipos de património, incluindo o imaterial.

Para "um melhor funcionamento" do processo de salvaguarda do cante, deveria haver "uma política articulada entre as várias entidades" e "uma presença mais assídua do Ministério da Cultura", que, através da Delegação Regional de Cultura do Alentejo, "podia ter um papel importante nessa mediação", considera.

Dessa forma, "com certeza que o resultado seria melhor", frisa o autarca, referindo que o município está a trabalhar em conjunto com a Delegação Regional de Cultura do Alentejo em alguns projetos, como o de criação do Museu do Cante em Serpa, mas "faria sentido que o papel do Ministério da Cultura" na salvaguarda do cante "fosse mais ativo".

Paulo Lima, Tomé Pires e o presidente da Turismo do Alentejo, António Ceia da Silva, fazem um balanço "muito positivo" dos dois anos de classificação do cante alentejano como Património da Humanidade.

Segundo Tomé Pires, a classificação, atribuída a 27 de novembro de 2014, trouxe reconhecimento ao cante, que "ultrapassou barreiras, alargou fronteiras, rejuvenesceu-se, ganhou novas dinâmicas e tem agregado projetos criativos ligados ao património e à cultura".

"Acima de tudo, a classificação despertou a atenção para o cante alentejano, que era considerado ´uma coisa de velhos` e estava à beira de desaparecer", e deu-lhe "dignidade e um novo impulso", diz Paulo Lima.

A candidatura e a classificação levaram à criação de "algumas dezenas" de grupos corais, "entre 20 e 30 no mínimo" e, atualmente, em Portugal, existem cerca de 170 grupos corais alentejanos, sendo que a maior parte são do distrito de Beja, precisa o antropólogo.

Para o presidente da Entidade Regional de Turismo, o cante alentejano está a dar um "contributo enorme" para a promoção e a afirmação do Alentejo como destino turístico.

"Uma das áreas prioritárias da estratégia da Turismo do Alentejo é a questão da identidade", porque "o turista quer destinos identitários e distintivos" e a classificação do cante trouxe para o Alentejo "um peso muito forte a nível identitário", explica Ceia da Silva.

O trabalho à volta da identidade do Alentejo, em que "o cante alentejano tem forte expressão", "tem resultado" e influenciado o crescimento do número de turistas, diz, frisando que "não é por acaso" que a região é "o único destino turístico no mundo que conseguiu duas classificações consecutivas" de Património Cultural Imaterial da Humanidade atribuídas pela UNESCO, ao cante, em 2014, e ao fabrico de chocalhos, em 2015.

"As pessoas gostam de vir ao Alentejo porque a região tem uma identidade e uma força cultural únicas" e, neste aspeto, "o cante alentejano ajudou claramente no processo de afirmação do destino", observa.

Segundo Tomé Pires, a classificação trouxe "acréscimo de responsabilidade" na salvaguarda do cante alentejano, trabalho que tem de ser feito "continuamente" para se poder "recolher os máximos dividendos".

Neste sentido, a Câmara de Serpa e a Turismo do Alentejo estão a gerir a implementação do plano de salvaguarda do cante, que fez parte da candidatura e inclui orientações genéricas para desenvolvimento de projetos por várias entidades para salvaguardar, valorizar, promover e transmitir às novas gerações o cante alentejano.

A gestão da implementação do plano está a decorrer "de forma muito positiva", diz o autarca, referindo que a Câmara de Serpa tem vindo a contactar grupos corais e as autarquias do Alentejo para sensibilizá-los para a concretização de ações enquadráveis no plano e "a resposta tem sido muito interessante".

"O entusiasmo e a sensibilização" da Câmara de Serpa "tem levado muitas instituições a desenvolverem projetos muito interessantes", frisa, salientando que "o muito que se faça será sempre pouco" perante as expectativas e a dignificação do cante.

No caso de Serpa, a autarquia promove há 11 anos o ensino do cante nas escolas básicas do concelho, criou a Casa do Cante, o certame Cante Fest e a Rota do Cante, que disponibiliza uma lista de sedes de grupos, locais de ensaios e tabernas onde se pode "viver a experiência" do cante, além de estar a trabalhar na criação do Museu do Cante.

Por outro lado, adianta, há muitos municípios e grupos corais que têm vindo a desenvolver projetos que se enquadram na estratégia do plano, como os de ensino de cante alentejano nas escolas, que é "um aspeto muito interessante e está a criar bases e apetências para o cante".

"Há muito para fazer, há que criar dinâmicas próprias para ativar um património imaterial já distinguido", diz, por seu turno, Ceia da Silva, referindo que a Câmara de Serpa e a Turismo do Alentejo têm um plano específico que pretendem executar nos próximos dois anos e que prevê várias ações, como criação de roteiros e casas de cante.