Num texto da autoria de Gonçalo M. Tavares para o Dia Mundial da Poesia, que se assinala na terça-feira, o autor descreve o ato de “escrever poesia como forma de delírio aplicado a alguns dedos que atuam sobre umas linhas mínimas de papel branco. Um delírio provocado, que atua em superfícies minúsculas”.

“Poesia também como forma de levar a linguagem ao seu destino, levar a linguagem pela mão até ao limite; para a frente, um precipício: mais um passo e esta frase cai, morre. Levar a linguagem até esse ponto, eis o trabalho de mão dada à linguagem que um poeta exerce. Leva pela mão, como se fosse uma criança pequena, aquilo que é mais forte do que ele – a língua”.

Por outro lado, ler poesia “é uma forma de deslocação”, pois nos olhos “é que estão localizadas as maiores viagens”.

“Daí que ler poesia e ler grande literatura seja o verdadeiro processo de deslocação, não no espaço exterior medido com régua, mas no espaço do imaginário”, escreve Gonçalo M. Tavares, acrescentando que há versos “que multiplicam o número de imagens que um homem ou uma mulher têm na cabeça”, um “efeito de explosão”, um “efeito de fazer de um verso muitas imagens”.

Para Gonçalo M. Tavares, ler um verso é também receber uma herança - “os olhos recebem uma herança” – e esta herança pode até ser “uma forma de as palavras terminarem num certo grau de luminosidade”, suficientemente longe do escuro, mas imediatamente antes da cegueira”, uma luminosidade que fica um passo atrás da “luz que cega”.

“Poesia, então, como o ponto certo em que os versos clarificam, sem explicar”.

O escritor discorre também sobre o verso, que por vezes assume “uma forma de ferro, uma forma firme, que não quebra”, “a frase disciplinada”, outras vezes, a “indisciplinada”, “que abre múltiplos desvios enquanto avança”, como a água.

Mas pode também ser um “ato manual de precisão”, o de um relojoeiro que acertasse “as horas do que é mais valioso” ou um ato humano de limpeza: o poeta “limpa o pó daquilo que é luminoso”, tira “o pó das coisas, dos homens e das mulheres”, tira “o pó de cima dos animais e da montanha”, desvendando “uma certa luz original, um brilho antigo que parece afinal uma invenção”.

“Mas não. É limpar, limpar” e “limpar é criar”, ou seja, a poesia é um “modo de tirar subitamente o pó tonto de cima das coisas.

E é um “modo de aproximação” e uma “forma de erotismo”, acrescenta, pois “uma palavra aproxima-se de outra e toca-a, ao de leve”, numa “forma discreta de aproximação”, naquela velocidade em que “se produz o erotismo e a alusão, nunca o explícito”.

Gonçalo M. Tavares termina o texto considerando que a poesia é uma forma de levitação em bicos dos pés, uma forma de as palavras não tocarem no solo, mas também quase não tocarem no ar, uma “levitação da linguagem”, na qual “as palavras não são atraídas nem para o dia nem para o chão”, talvez distraídas “a pensar noutra coisa”.

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