SAPO On The Hop: "Uma Noite na Lua" é o espetáculo que te traz aqui a Portugal. Fala-nos um bocado desta história.
Gregório Duvivier (GD): Este espetáculo é sobre um homem que vive no mundo da lua. É como se o espectador passasse uma noite dentro da cabeça de alguém, onde essa pessoa, como toda a gente, ou pelo menos como eu, tem uma cabeça muito caótica. Existem mil coisas a morar lá dentro, pessoas e sentimentos, e ele passa essa noite a falar com essas mesmas pessoas que vivem na sua cabeça. Ele tem a ex-mulher dele lá dentro, a pessoa que ele foi, a pessoa que ele é, e todas as outras versões dele mesmo.
SAPO On The Hop: Identificas-te com a personagem da peça?
GD: Quando peguei no texto, achei-o impecável. Ele estava mesmo pronto para ser feito, até porque até já tinha sido feito, nos anos 90. Todas as cenas, a música, toda a escrita faz com que eu me identifique bastante.
SAPO On The Hop: Descendes de uma família de artistas [o seu pai é músico e artista plástico, a mãe é cantora] nas mais diversas vertentes. Julgas que toda essa diversidade faz com que estejas envolvido em tantos projetos? És poeta, ator, produtor...
GD: Sim, completamente! Se eu faço arte nos dias de hoje, é a eles que eu devo isso. Desde de pequeno que eu vejo o que eles fazem, e eu acho que nós não ouvimos muito o que eles dizem, mas copiamos bastante. A gente não obedece, a gente não ouve, mas a gente copia! E desde pequeno que eu vejo os meus pais a compor, a desenhar, porque eles desenham os dois, ou no palco. Eu tinha um fascínio pelo palco, era a coisa mais bonita do mundo. Poder viajar com eles durante as suas digressões, fez com que eu hoje ame fazer o mesmo. Poder estar no palco a ver todas as pessoas que se emocionam com a música, choram e riem, é tudo muito bonito. Até hoje eu sinto inveja dos músicos, porque a música consegue alcançar certos pontos que a literatura e o humor não atingem.
SAPO On The Hop: Todas essas vantagens que adquiriste graças aos teus pais, consideras que também te dão uma pressão extra em tudo o que fazes?
GD: Eu acho que isso dá-me uma exigência muito grande, definitivamente! Eu percebi através dos meus pais que a arte não é uma brincadeira, percebes? Tu não podes chegar em cima do palco e fazer uma coisa qualquer. O palco é algo realmente importante, e tantas vezes eu vi o meu pai a ensaiar uma noite inteira, e a minha mãe a mesma coisa. Eu via-os a estudar em casa. O meu pai tinha um estúdio, daqueles que era todo coberto daquela espuma nas paredes para o som não passar, e daquela carpete que era usada para o mesmo fim. E eu lembro-me de muitas vezes ter ficado sentado naquela carpete a ouvi-lo tocar a mesma coisa, a fazer escala, repetidas vezes, e para uma criança essa imagem é muito forte. Tu vês os teus pais a trabalhar e dizes "Oh pai, para de tocar, para de brincar com isso, vamos brincar todos juntos", e o meu pai dizia que estava a trabalhar, que podia não parecer, mas aquilo era trabalho, por isso a arte sempre foi trabalho para mim.
SAPO On The Hop: Nesse sentido, os humoristas costumam ser desconsiderados devido a essa falta de noção.
GD: Exato. Cada piada nova foi trabalhada, foi suada. Eu já ando há quatro anos com este espetáculo e cada dia é uma estreia para mim. Eu fico sempre nervoso antes de entrar no palco, e a cada dia que passa eu tento descobrir algo novo sobre o espetáculo. Pensar que "este tom, esta maneira de falar de hoje foi melhor do que a antiga, agora passo a fazer assim". Temos que estar em constante adaptação, querendo sempre melhorar.
SAPO On The Hop: Tendo tantos e tão variados trabalhos, qual é o local onde te sentes mais completo?
GD: Eu acho que sinto mais prazer no palco. No palco existe aquele contacto direto com o público que não existe noutra arte qualquer. Existe esse calor, essa troca imediata de emoções que é muito boa. Puder assistir a essa descarga de afeto, a essa carência afetiva, é isso que me faz preferir o teatro. É óbvio que também tenho muito prazer em escrever, mas é algo muito mais solitário. No teatro eu tenho o encontro com o público, com a equipa, com o elenco, são vários encontros e várias comunhões. Na escrita eu faço uma maratona solitária, e no teatro eu jogo futebol, algo coletivo. É também por isso que eu escrevo coisas mais curtas, porque isso é quase como se fosse um tiro apenas. Mas quando penso naquelas pessoas que fazem aqueles romances longos, sozinhos, eu acho muito admirável mas não tenho mesmo essa vocação (risos).
SAPO On The Hop: Graças a uma maior notoriedade adquirida com o sucesso de Porta dos Fundos, consideras que é agora mais difícil distinguires-te nos teus projetos a solo?
GD: Eu acho que isso é uma confusão que vai acontecer para sempre, mas ela também é saudável. No entanto, eu estou muito envolvido na Porta dos Fundos, uma vez que eu represento e também escrevo para o projeto. Se fosse algo em que eu apenas estivesse envolvido como ator, como numa novela, onde as pessoas apenas emprestam o corpo, isso seria diferente. Assim, uma vez que eu criei com eles, atuo com eles, e escrevo com eles, eu tenho muito de mim lá, identifico-me imenso e tenho muito orgulho.
SAPO On The Hop: Vais passar uma temporada em Portugal. Como tem sido a reação do público português?
GD: Nossa, é sempre um carinho imenso! No Brasil as pessoas também são muito calorosas, mas menos educadas. As pessoas puxam, pegam, agarram, e aqui em Portugal existe um respeito maior para com a tua individualidade, o teu espaço. Para além disso, as cidades são lindas, o interior é lindo, o norte também, é um país completamente deslumbrante!
SAPO On The Hop: A título de curiosidade, quais são as palavras que mais gostas (ou não) em português, e que não se utilizam no Brasil?
GD: A palavra "digressão" não existe no Brasil, e para mim isso parece outra coisa. Parece um devaneio ou algo assim. Mas não é a única palavra, e vocês até têm palavras que nós não temos. "Batota" eu acho muito fofo. É algo muito comum de acontecer no Brasil, mas a palavra não existe. E "piropo" também, apesar de hoje em dia ser crime, e com razão, mas a palavra em si soa bem, é fofa. Outra palavra que não existe no Brasil. Existe muita prática, mas a palavra não (risos).
SAPO On The Hop: Vais estar por Sintra, um local ligado ao misticismo e à fantasia. Se pudesses ser uma criatura do fantástico, o que serias?
GD: Oh (risos) Eu acho que já tenho altura para ser um gnomo, por isso ia facilitar. Eu gosto dos gnomos, mas dos duendes não, são coisas diferentes. Os gnomos são velhos de chapéu vermelho, e não são verdes como os duendes. Tenho muita simpatia pelos gnomos, especialmente quando era pequeno. Eles vivem na floresta, têm uma grande intimidade com as árvores, e vivem debaixo delas. Ia ser bem bom (risos).
SAPO On The Hop: Pegando no motivo que te trouxe cá, o que é que te deixa na lua?
GD: O palco. Para mim o palco é a experiência mais transcendente que conheço. Eu só acredito naquilo que é palpável, mas o palco é algo diferente, onde eu consigo chegar a um lugar não só fisico, que não é meramente palpável.
SAPO On The Hop: Eras muito tímido quando eras criança, mas se pudesses voltar atrás no tempo e dar um conselho a essa mesma criança com todo o conhecimento e experiência que tens agora, o que lhe dirias?
GD: Eu diria que as pessoas não mordem, elas são boas (risos). Relaxa, não precisas de pensar tanto. Um dos meus medos era não saber que personalidade queria construir para mim mesmo, e essa era uma grande dúvida para mim, a forma como eu queria ser e parecer.
SAPO On The Hop: Como ator precisas de ser como um autêntico camaleão e adaptar-te a todas as circunstâncias. No entanto, com que animal te identificas mais?
GD: Eu adoro os gatos. Acho que a liberdade que eles têm é muito bonita, e nunca sabes o que eles estão a pensar.
Depois de ter passado por Guimarães, Covilhã e Lisboa, "Uma Noite na Lua" tem datas agendadas em Matosinhos (dia 24 de maio), Braga (25), Porto (26), Póvoa do Varzim (27), Ourém (28), Sintra (2 de junho), Oliveira de Azeméis (3), Coimbra (4) e Castelo Branco (5).
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