Leonard Cohen, o artista da voz grave e soturna considerado um dos maiores escritores de canções da segunda metade do século XX, morreu na quinta-feira aos 82 anos, anunciou o seu agente no Facebook.
"É com profunda dor que comunicamos que o lendário poeta, compositor e artista Leonard Cohen faleceu. Perdemos um dos mais reverenciados e prolíficos visionários da música", diz o comunicado publicado no Facebook.
Uma cerimónia será organizada em Los Angeles, onde Cohen vivia, "numa data a ser anunciada posteriormente", informa a nota, acrescentando que "a família pede que se respeite sua privacidade neste momento de luto".
Há muito pouco tempo, a 21 de outubro, tinha sido lançado o seu 14º álbum, "You Want It Darker" , descrito pela editora discográfica Sony Columbia Records como uma "uma obra-prima” e “o último capítulo da grande contribuição de Leonard para a música contemporânea”, acrescentou a Sony Columbia.
Pouco antes, em entrevista à The New Yorker, confessara que ainda tinha canções inacabadas.
"Não sei se as irei conseguir terminar. Talvez, quem sabe? Talvez consiga um segundo fôlego", disse o músico, acrescentando que não vai perder tempo com "qualquer tipo de estratégia espiritual".
"Tenho trabalho a fazer. Estou pronto para morrer, espero que não seja desconfortável", desabafou então ao jornal norte-americano.
A juventude no Canadá e a paixão pela literatura
Nascido em Montreal a 21 de setembro de 1934, filho de uma próspera família judaica, Leonard Cohen foi o autor de músicas que versam sobre amor, espiritualidade, religião, numa toada de melancolia, cinismo e provocação. Mas ainda antes de ser conhecido como escritor de canções, Leonard Cohen tinha já ambições literárias.
Ainda no Canadá licenciou-se em literatura na Universidade McGill, em 1955, e integrou o grupo musical The Buckskin Boys.
Cohen acompanhou sempre a música com a literatura, a sua grande paixão, que começou aos 16 anos, quando escreveu os seus primeiros poemas.
"Let us Compare Mythologies", o primeiro livro de poesia, foi publicado em 1956, seguindo-se em 1963 o romance "O Jogo Favorito", editado em Portugal em 2010, e o de poesia "Flowers for Hitler" (1964).
Em Portugal estão também publicados "Filhos da Neve" e "O Livro do Desejo", que reúne poemas dispersos escritos ao longo dos últimos vinte anos, alguns dos quais durante um retiro budista de Cohen nos Estados Unidos e na Índia.
Alguns dos poemas desse livro foram adaptados para letras de canções, o que significava que para Cohen a composição musical e a literária se alimentam mutuamente.
A voz melancólica de uma geração numa carreira com mais de 50 anos
Leonard Cohen lançou o seu primeiro álbum aos 33 anos, “Songs of Leonard Cohen” (1967), que inclui os temas "So long, Marianne" e "Sisters of Mercy", um dos mais importantes da sua discografia, a par de "Songs of Love and Hate" (1971), "Various positions" (1984) e "I’m your man" (1988).
Cohen mudou-se para Nova Iorque em 1966, quando abraçou a música e deu início a uma prolífica carreira marcada por sucessos como "Hallelujah", "Suzanne", "I'm Your Man" e "So Long Marianne".
Conviveu em Nova Iorque com artistas de vanguarda como o pintor Andy Warhol e o guitarrista e cantor Lou Reed, mas a sua personalidade fazia com que fosse um solitário, que passou anos na ilha grega de Hidra e viveu o capítulo final da sua vida como um monge budista Zen num mosteiro na região de Los Angeles.
Judeu e monge budista, conhecido pelo nome "Jikan" (que significa "silêncio"), Leonard Cohen esteve 15 anos ausente dos palcos, tendo voltado a atuar em 2008, no âmbito de uma digressão internacional, por uma razão pouco espiritual: descobriu que o seu agente lhe tinha roubado grande parte das poupanças. Passou várias vezes pelo nosso país.
Cohen também ficou conhecido pela sua intensa vida amorosa, com numerosas mulheres, e escreveu "Chelsea Hotel No. 2" sobre a sua relação com a cantora Janis Joplin.
Em 2011, foi distinguido com o Prémio Príncipe das Astúrias das Letras, de Espanha, pelo "imaginário sentimental" da sua escrita e da música.
No mesmo ano, em 2011, foi galardoado com o 9.º Prémio Glenn Gould, atribuído de dois em dois anos a artistas que contribuam para enriquecer a condição humana e representem os valores da inovação, inspiração e transformação.
Em 2014, lançou o álbum "Popular Problems", que aborda preocupações e dilemas do mundo atual.
Sobre este álbum, marcado pela sua voz cavernosa e grave, Leonard Cohen afirmou que é atravessado por um sentimento identificável por todos: "Toda a gente sofre e toda a gente luta por ser alguém, por ser reconhecido. É preciso perceber que a luta de um é igual à luta de qualquer outro; e o sofrimento também. Creio que nunca se chegará a uma solução política se não se perceber esta ideia".
Questionado se uma canção pode oferecer soluções para problemas políticos, Leonard Cohen respondeu: "Penso que a canção é, ela mesma, uma espécie de solução".
Leonard Cohen foi comparado a Bob Dylan pela profundidade das suas letras. Ainda no mês passado, o músico e poeta aplaudiu a atribuição do Nobel da Literatura a Dylan e considerou que foi como “dar uma medalha ao monte Evereste por ser a montanha mais alta”. O nome do próprio Cohen foi várias vezes apontado como candidato ao Nobel.
Cohen foi precedido na morte, em julho, por Marianne Ihlen, a norueguesa com quem viveu na ilha grega de Hydra e que inspirou "So Long, Marianne".
Numa carta para Ihlen revelada por um amigo, Cohen declarou o seu "amor sem fim" por ela, escrevendo: "Eu acho que vou seguir-te muito em breve."
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