Em 1997, os Mind Da Gap cantavam que estava “tudo bem no país à beira mar plantado/até aparecer algo de novo, nunca identificado/hip-hop, muitos gostaram, outros não/talvez seja por não ser de fácil compreensão”. Vinte anos depois muita coisa mudou e uma das provas disso é o facto de o hip-hop, nas suas quatro vertentes (rap, graffiti, breakdance e DJing), ter agora ganhado espaço nos festivais de verão.

“Neste momento o hip-hop está com um nível de audiência que se calhar nunca teve [em Portugal], está num ponto alto e achámos que faria sentido [organizar o espetáculo ‘A história do hip-hop tuga’]”, disse à Lusa o músico e produtor Vasco Ferreira (Sensi).

Para o músico, “isso foi acontecendo, os preconceitos foram caindo, porque as pessoas não tiveram hipótese de não aceitar, porque o hip-hop quando veio foi para ficar”. “E mesmo às vezes sem grandes apoios, meios [de comunicação social] não aproveitam os projetos e tudo o mais, os artistas acabam por vingar porque hoje em dia com a internet as pessoas têm hipótese de escolher o que querem”, defendeu.

O espetáculo foi testado por Sensi “a uma escala mais pequena” na Semana Académica de Lisboa. “Correu bem, começámos a pensar sobre isto e estivemos um ano mais ou menos a desenvolver a ideia”, contou.

Apesar de Sensi “conhecer muita coisa” e “ter vivido” o crescimento desta cultura, esteve algum tempo “a estudar, porque podia sempre escapar alguma coisa”.

De uma listagem de cerca de 50 nomes, vários ficaram de fora, pelas mais variadas razões. “Mesmo os artistas que não vão serão homenageados de alguma forma” ao longo das duas horas de espetáculo que passam em revista “as músicas mais icónicas, que foram abrindo portas”.

“A cada ano que ia passando havia aquela música que conseguia conquistar mais 10/15/20 pessoas e a escolha foi feita assim”, contou Sensi.

“A história do hip-hop tuga” começa a ser contada a partir de 1994, ano da edição da coletânea “Rapública”, da qual fazia parte o tema “Não sabe nadar” dos Black Company.

Os Black Company, tal como General D, o primeiro MC [Mestre de Cerimónias] a editar um disco em nome próprio (“Pé Na Tchôn, Karapinha Na Céu”, em 1995, que inclui o tema “Black Magic Woman”), estão entre os ‘pioneiros’ que irão estar em palco.

É “porque há 20 e tal anos havia alguns na luta para abrir portas” que o hip-hop português tem hoje tanta aceitação, acredita Sensi.

“Na luta” desde o final da década de 1990 está Maze, dos Dealema. Nessa altura, embora já houvesse “algumas pessoas a fazerem rap em português”, a primeira geração “foi automaticamente influenciada pelo que vinha dos Estados Unidos”.

“Depois acabávamos por nos influenciar uns aos outros, porque éramos poucos, os que estávamos a fazer acontecer”, recordou.

Hoje, no rap português “existe tudo, o espetro todo como sempre existiu nos Estados Unidos”. “Tens pessoas a fazer coisas muito underground e outras a fazer coisas muito comerciais, e há espaço para todos porque existe público para consumir todo o tipo de rap que é feito hoje em dia”, disse.

A “variedade dos estilos dentro do hip-hop nacional, desde o mais festivo ao de intervenção, de várias línguas, crioulo”, é também salientada por Sam the Kid.

“Comparando com outros géneros musicais, o hip-hop é o que está mais a invadir os circuitos que são mais para os jovens: semanas académicas, festivais. Em comparação com há 20 anos o hip-hop está a dominar e neste caso específico do Sumol [Summer Fest], que era mais dirigido para o reggae, o hip-hop está a dominar”, disse.

Sam the Kid e os Dealema são influências para os elementos dos GROGNation, que nasceram na altura em que o hip-hop dava os primeiros passos em Portugal.

“Eu cresci a ouvir hip-hop português e só depois estrangeiro”, referiu Nasty. “Muitas das nossas influências vamos partilhar o palco com elas. Influenciaram a nossa maneira de ver a música, de ver a sociedade, de começar a criar as nossas próprias rimas, eles foram a nossa influência e é um prazer estarmos a partilhar o palco com essas pessoas”, disse por seu lado Harold.

Na sexta-feira, além dos Black Company, General D, Sam the Kid, Maze e os GROGNation, irão participar em “A história do hip-hop tuga” Ace e Presto (dos Mind Da Gap), Allen Halloween, Bispo, Capicua, Chullage, Dengaz, Dillaz, Holly Hood, NBC, NGA, Sir Scratch, Tekilla, Tribruto e Nel Assassin.