Ao palco do Teatro de S. Luiz, em Lisboa, sobe também o percussionista norte-americano Jarrod Cagwin, que “tem um papel importante, na medida em que a música do Rabih [Abou-Khalil] é melódica e rítmica, e ele é o grande alicerce para que todos possamos estar seguros e confiantes na peça”, disse à agência Lusa o fadista Ricardo Ribeiro, que perseguia o sonho de interpretar a “Toada de Portalegre”.

Jarrod Cagwin é “um músico fabuloso”, que faz parte do ensemble com que o músico e compositor libanês Rabih Abou-Khalil atua habitualmente, tendo já acompanhado Ricardo Ribeiro, noutras ocasiões, tanto no palco lisboeta, como aconteceu no ano passado, em junho, como em várias atuações do fadista português atuou com o grupo de Abou-Khalil.

A peça “Toada de Portalegre”, com música de Abou-Khalil, estreia-se na quinta-feira, no teatro lisboeta e volta a esta sala na sexta-feira e no sábado, no âmbito das celebrações do 5.º aniversário da classificação do Fado como Património Imaterial da Humanidade, pela UNESCO.

Em declarações à agência Lusa, Ricardo Ribeiro afirmou que apresentar a “Toada de Portalegre” foi “uma odisseia e, ao mesmo tempo, um orgulho”.

“Era um sonho meu, mas que todos alcançámos - eu, a orquestra, o maestro e o Rabih [Abou-Khalil]”, acrescentou.

Para esta composição de 75 minutos, não foi incluído “qualquer instrumento diretamente ligado ao fado, nomeadamente a guitarra portuguesa”, adiantou o criador de “Nos Dias de Hoje”.

“Esta música não é o fado, é uma outra que nem ouso qualificar”, disse o intérprete que adiantou não existir qualquer referência direta na composição aos ritmos portugueses, nomeadamente ao tradicional “Saias”, da região de Portalegre.

“Todavia, como quase tudo que é rítmico na música portuguesa, deriva da tradição árabe, pois é bom não esquecermos que os árabes estiveram na Península Ibérica durante oito séculos”, referiu o cantor, acrescentando que “haverá muitas frases musicais que nos irão parecer que estamos a escutar cante alentejano”.

“Rabih [Abou-Khalil] compõe de uma maneira que sentimos muito portuguesa e não distante de nós”, afirmou o intérprete de “Não rias”.

Para a “Toada”, que "é um poema muito extenso e profundo, que conta uma história", o compositor “fez a música que coincide com as palavras: se as palavras querem transmitir medo, o ambiente musical é esse, de medo, e por aí adiante, se é de alegria, a música transmite esse sentimento, se é de frustração, também o transmite”.

“O mais complicado foi decorar o poema”, confidenciou o artista que adiantou que o espetáculo vai ser gravado em áudio e vídeo.

O poeta José Régio (1901-1969) viveu em Portalegre, de 1928 a 1967, onde foi professor no então liceu nacional, atual Escola Secundária Mouzinho da Silveira.

Régio abre o poema dando um perfil geográfico da cidade, evocando que nela residiu: “Em Portalegre, cidade/Do Alto Alentejo, cercada/De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros/ Morei numa casa velha,/ velha grande tosca e bela/ À qual quis como se fora/ Feita para eu morar nela.../”.

A casa onde Régio morou era inicialmente uma pensão onde, conforme os quartos foram vagando, o autor de “Poemas de Deus e do Diabo”, os foi ocupando, acabando por ficar com a toda a casa, que atualmente é um museu, onde se destaca a coleção de Cristos, entre outras coleções, como as de louça e de mobiliário.

Ricardo Ribeiro afirmou que subjacente a esta estreia está a intenção de “chamar atenção para a obra do poeta, que é genial, é um dos maiores da Língua Portuguesa, de sempre”.

O fadista destacou ainda a faceta de ensaísta de Régio e o papel que desempenhou na sociedade do seu tempo, e adiantou que está a trabalhar com o compsoitor libanês no "Soneto de Amor", do poeta natural de Vila do Conde.

Amália Rodrigues (1920-1999) foi uma das poucas intérpretes que cantou e gravou um poema de Régio, “Fado Português”, com música de Alain Oulman.