A obra centra-se na guerra do Afeganistão, combatida de 1979 a 1989, e surgiu quando as forças de Moscovo abandonavam o país e a antiga União Soviética iniciava a sua desintegração, entre a queda do Muro de Berlim e a independência das repúblicas bálticas e da Ucrânia.

O título tem origem nos "caixões de zinco", em que os mortos regressavam a casa.

"Outra vez a guerra, outra vez Svetlana Alexievitch, com o seu naturalismo cruel e duro, outra vez os dirigentes políticos a não se importarem com os rapazes que regressam a casa em 'caixões de zinco', a fazerem ouvidos moucos aos gritos das crianças e dos civis inocentes", escreve o jornalista José Milhazes, no prefácio à edição portuguesa da obra.

No percurso da escritora, “Rapazes de zinco” surgiu depois "A guerra não tem rosto de mulher" e "Últimas testemunhas", que dão voz às perspetivas de mulheres e crianças sobre a II Guerra Mundial, e que foram publicados originalmente em 1985, depois dos primeiros sinais de abertura da Perestroika, de Mikhail Gorbatchov.

Para escrever "Rapazes de zinco", Svetlana Alexievich viajou durante quatro anos pela antiga União Soviética, durante a fase final do conflito, para ouvir veteranos da guerra, mães e mulheres dos que partiram.

Um golpe militar pró-soviético tomara o poder no Afeganistão, em abril de 1978, dando origem a uma guerra civil. As forças mais conservadoras de Moscovo acabariam por impor a invasão do país, que teve início no dia de Natal de 1979, e se estenderia em conflito pelos 10 anos seguintes.

Morreram mais de 15 mil soldados e mais de 450 mil ficaram feridos. "Entre os afegãos, as perdas foram muito maiores", recorda José Milhazes, com quase três décadas de trabalho como correspondente em Moscovo.

Como nas obras anteriores, Alexievitch multiplica as vozes, num discurso direto de testemunhos, de factos e memórias, as vozes daqueles que "não regressaram ou regressaram como 'outras pessoas'", que se elevam como numa oratória, uma polifonia em que cada frase tem o seu lugar, é claramente dita e pode ser ouvida, em toda a sua dimensão.

O prólogo abre com a fala de uma mulher: "Vou sozinha... A partir de agora terei de ir sozinha durante muito tempo..."

Depois sucedem-se relatos da guerra, de espera, de medo, de violência e desse "processo traumático após o regresso a casa": "Devolveram-me outra pessoa, não era o meu filho", diz uma mulher, depois de ele ter matado uma pessoa, sem motivo, na sua aldeia.

Em 1989, quando os refugiados da Europa de Leste se acumulavam junto às fronteiras checa e húngara, e o Muro de Berlim acabaria por cair, "Rapazes de zinco" surgia em Moscovo contra a corrente.

"A censura vigia atentamente as reportagens de guerra, para que não mencionem as mortes dos nossos soldados, convencem-nos de que o 'contingente limitado' de tropas soviéticas ajuda o povo irmão a construir pontes, estradas, escolas", diz uma das vozes.

Svetlana Alexievitch foi repetidamente processada, na antiga União Soviética, na Rússia, na Bielorrússia, acusada de "mentiras", "invenções descaradas".

Quando recebeu o Nobel da Literatura, em 2015, Alexievitch levou as muitas vozes das suas obras para a comunicação que fez em Estocolmo: "Não estou sozinha neste lugar". E depois de atravessar de novo as memórias daqueles que ouviu, disse: "É difícil para mim falar de amor".

A Elsinore, que publica agora "Rapazes de zinco", planeia a edição de "As últimas testemunhas" ainda para este ano, completando a obra da escritora, que se reúne sob a mais ampla designação de "Vozes da utopia".

"A guerra não tem rosto de mulher" e as "Vozes de Chernobyl", também pela Elsinore, e "O fim do homem soviético", pela Porto Editora, são os outros títulos de Svetlana Alexievitch, já disponíveis no mercado português.