“Encontrámos, na tradução de José Maria Vieira Mendes, um espaço de liberdade, até porque a tradução é sempre um exercício de traição”, disse à agência Lusa Pedro Penim, sublinhando que a tragédia do dramaturgo alemão não é uma peça típica do repertório do Teatro Praga.

A encenação resulta de uma encomenda do Centro Cultural de Belém, onde a peça irá ser estreada no próximo dia 24.

Escrita em 1891 pelo dramaturgo alemão, a peça constitui um dos textos fundadores do teatro contemporâeno e centra-se num grupo de adolescentes em conflito com uma sociedade conservadora e moralista.

O drama termina junto à campa de uma rapariga de 13 anos, Wendla Bergmann, morta na sequência de um aborto que foi forçada a fazer, pela mãe.

Na cena final, dois vivos e um morto conversam no cemitério. O apaixonado de Wendla, Melchior Gabor, encontra-se com o seu melhor amigo, Moritz Stiefel, que traz a cabeça debaixo do braço. Moritz suicidou-se porque reprovou na escola, e não se sentia capaz de enfrentar os pais. Convida Melchior a morrer consigo.

Melchior, porém, aceita a mão de um outro, a do “Senhor Disfarçado”, figura primaveril que impede mais uma morte e que na estreia, na encenação de Max Reinhardt, foi representada pelo próprio Wedekind.

“Não havia uma vontade especial de trabalhar esta peça, mas a convite do CCB acabámos por fazê-la sem que tenha sofrido qualquer processo de reescrita”, disse Pedro Penin,

“Há, contudo, uma característica interessante nesta tradução do José Maria Vieira Mendes, que transforma algumas palavras de português numa espécie de crioulo, com termos utilizados por Camilo Castelo Branco, acabando por criar uma língua mesclada, que acaba por transformar este texto do repertório clássico, num texto mais próximo daquilo que nos apetece fazer”, frisou Pedro Penim à Lusa.

“Mas nada na peça consiste em alterar o texto de Wedekind. Tudo o que é dito e feito está escrito no texto original em alemão”, observou o encenador.

Pedro Penim disse que o figurino e a cenografia de Joana Barrios e Bárbara Falcão Fernandes, respetivamente, “privilegiam o 'pink'”, por esta ser uma cor associada à infância, mas também por ser “essa a bandeira de uma versão 'queer' do texto do Wedekind, que se concretiza nas escolhas dos materiais que são postos em cena”.

“Mesmo a própria linguagem das minorias que é utilizada em cena não é falada nas ruas, é uma espécie de código, que só é entendido pelos grupos minoritários”, disse o encenador à Lusa.

"O conflito entre pais e filhos é o motor da narrativa e então convidámos pessoas com quem nunca trabalhámos, alguns dos quais podiam mesmo não ser atores, para desempenharem os papéis dos filhos”, disse Pedro Penim.

Apesar de “Despertar da Primavera” ser uma peça polémica, por se centrar em questões como a sexualidade, acaba por não ter uma relação direta com a contemporaneidade, uma vez que os problemas com que os jovens se debatem atualmente não têm nada a ver com os que preocupavam e dividiam pais e filhos, na segunda metade do século XIX.

A peça é apresentada hoje no Centro Cultural de Ílhavo, no âmbito da residência artística da companhia, "em antestreia ou ensaio geral com público, e vai ser um espetáculo diferente", do que vai ser levado ao CCB, indicou.

A ideia é “chegarmos a Lisboa com um produto mais seguro”, enfatizou o encenador.

Depois do CCB, o Teatro Praga levará “Despertar da Primavera” a Guimarães, e a Viseu, ao Teatro Viriato, e ao Porto, ao Teatro Nacional de S. João, que também são coprodutores do espetáculo.

A interpretação é de André e. Teodósio, Cláudia Jardim, Diogo Bento, Patrícia da Silva, Pedro Penim, a quem se juntam Cláudio Fernandes, Gonçalo C. Ferreira, João Abreu, Mafalda Banquart, Óscar Silva, Rafaela Jacinto, Sara Leite e Xana Novais.

A música original e o desenho de som são de Miguel Lucas Mendes.

O espetáculo foi coproduzido pelo Teatro Praga, Centro Cultural de Belém, Teatro Nacional São João e Teatro Viriato.

No CCB, a peça pode ser vista às 21:00, nos dias 24, 25 e 27 deste mês, e às 16:00, no dia 26.