“Eu acho que ainda não estou a recuperar bem da surpresa daquilo que aconteceu com ‘Perguntem a Sarah Gross’, para levar logo com esta surpresa a seguir”, afirmou o autor à Lusa, a propósito da atribuição do prémio ao seu segundo romance, “Os loucos da rua Mazur”.

“Perguntem a Sarah Gross”, o primeiro romance de João Pinto Coelho, de 55 anos, arquiteto e investigador do Holocausto, foi finalista do Prémio Leya em 2014.

“Eu comecei a escrever com 43 anos, portanto comecei a escrever muito tarde, nem sequer tenho aquele percurso habitual dos escritores, de escrever contos ou poemas na adolescência. A primeira vez que escrevi alguma coisa de ficção foi precisamente quando comecei a escrever a primeira página do ‘Perguntem a Sarah Gross’”, confessou, sublinhando, por isso, que todo “este reconhecimento” é “uma surpresa”.

A única esperança que tinha de ganhar este prémio resultava apenas do facto de ter gostado daquilo que escrevera e, portanto, admitia que o júri pudesse também gostar, afirmou.

Escritor João Pinto Coelho vence Prémio LeYa 2017

“Os loucos da Rua Mazur” conta a história de três pessoas que se reúnem no final da vida para escrever um livro e esse livro, que poderia ser uma recapitulação do passado dessas pessoas, acaba por transformar-se numa arma de arremesso, um instrumento através do qual eles se vão agredir e magoar uns aos outros, revelou o autor.

Essa situação leva os protagonistas da história a “um ponto crítico do passado, um passado comum, que foi um acontecimento terrível que ocorreu numa pequena cidade da Polónia, em julho de 1941, e esse, sim, é um acontecimento real, aconteceu realmente, é um facto histórico, e esse acontecimento é que vai servir de mote para o resto da narrativa”, explicou.

Trata-se de um conflito que se dá entre dois grupos de vizinhos que conviveram durante séculos, duas comunidades, - os judeus e os cristãos polacos – “que resulta numa tragédia e faz parte do conjunto vastíssimo de acontecimentos que se viveram naquele período na Polónia, e que tem a ver com a perseguição dos judeus”, para além do que foi a perseguição nazi.

O escritor baseou-se no trabalho de investigação que desenvolve há vários anos sobre o holocausto para mostrar, através deste livro, “que os perpetradores não foram apenas os alemães, mas sim outros atores, os chamados atores improváveis”.

“Eu ando a fazer investigação sobre o Holocausto há cerca de 30 anos, sobretudo com mais intensidade nos últimos dez ou 12, e isso resultou neste livro. Eu sempre pensei que se um dia viesse a escrever um livro, seria sobre este tema, e veio a acontecer assim”, contou.

Um dos protagonistas do livro, que o júri do prémio destacou pela sua “força humana” e como sendo uma personagem que irá ficar como “figura inesquecível da ficção”, é um livreiro cego.

“É um homem que está na fase final da sua vida, que tem uma livraria em Paris e que é judeu, que viveu na Polónia, que sobreviveu ao Holocausto, que sobreviveu na sua pequena cidade e que reencontra um amigo de infância cristão e uma editora”, adiantou o autor.

No fundo, o livreiro é a personagem central da narrativa e é a única personagem a quem o escritor dá voz na primeira pessoa, de vez em quando, apenas em pequenos excertos.

“É, portanto, a história da sua vida, a forma como ele cresce, como chega a França, a forma como ele se envolve neste processo da escrita, que vai ser terrivelmente traumático, através das sensações que ele dá”, explicou João Pinto Coelho, considerando ser talvez daí que “vem a ideia da força dessa personagem”, a que aludiu o júri do prémio.

Quanto a um possível próximo romance, João Pinto Coelho confessa ter uma ideia, mas que é tão vaga que não dá para escrever sequer a primeira página.

Uma coisa, no entanto, tem como certa: vai continuar a escrever, mas, para já, em complemento com a sua profissão, que não tenciona abandonar.