Um dos programas mais vistos, com uma média de 800 mil espetadores, é o apocalíptico "Doomsday Preppers", em que pessoas que aguardam o fim do mundo contam as suas experiências. No programa é possível ver, por exemplo, como um homem se prepara para um ataque terrorista que considera iminente.

"Wicked Tuna", de grande sucesso e já na terceira temporada em produção, aborda a rivalidade entre as equipas de pesca em Gloucester, no noroeste de Massachusetts, que depende economicamente da pesca do atum.

Outros exemplos são o "Polygamy USA" - protagonizado por uma seita mórmon dissidente que segue a poligamia -, o "Ultimate Survival: Alaska" - que tem como temática a sobrevivência em um deserto gelado - e muitas outras séries de "docu-reality", que se dedicam a personagens raros ou situações mais ou menos estranhas.

Segundo Hamish Mykura, diretor de conteúdo internacional do National Geographic Channel, a atitude do canal pode definir-se como "antropologia contemporânea".

"Queremos mostrar o mundo em que vivemos, como vivemos, ver gente a fazer trabalhos perigosos, interessantes, com programas agradáveis, que as pessoas queiram assistir. É mais interessante contar a história de uma pessoa a partir de sua própria perspetiva, com suas próprias palavras, do que ter um narrador invisível, a sar a sua opinião atrás de uma câmara", disse à AFP.

Credibilidade em jogo

Na opinião dos puristas, não há dúvidas de que os programas de reality show do National Geographic - de propriedade maioritária da News Corporation, de Rupert Murdoch - não honram a herança de 125 anos da revista da qual surgiu.

Para eles, a famosa publicação mensal de capa amarela da National Geographic Society (NGS), uma das maiores organizações científicas e educativas sem fins lucrativos do mundo, é, antes de tudo, uma revista académica, a primeira a falar da pequena cidade inca de Machu Picchu, no Peru, por exemplo.

É uma revista que "sempre lutou pela verdade", defende Alan Mairson, ex-jornalista da publicação que criou um blog crítico, o societymatters.org.
O canal de televisão "quer entreter, a revista tem como objetivo educar", disse à AFP.

"Estes programas diminuem gravemente a credibilidade da NGS. Alguns programas são excelentes, mas a maioria não tem nenhuma ligação verdadeira à realidade. São comédias tontas. Outros são ofensivos, gozam com as pessoas", completou Michael Parfit, documentarista de animais selvagens e ex-colaborador da revista, numa referência a uma série sobre os huteritas, uma comunidade protestante isolada, que exigiu desculpas do canal por se sentir humilhada.
"Os piores são os pseudocientíficos", acrescentou Parfit, citando uma série sobre ovnis.

Mairson suspeita que o fator Murdoch está em jogo, já que a News Corporation fechou o seu canal de reality show da Fox depois de comprar o canal da National Geographic.
"O que Murdoch ganha com um canal assim? Confiança, uma sensação de autenticidade que não tinha com o canal da Fox".

Para o representante do canal, Hamish Mykura, "é preciso refletir sobre o mundo da National Geographic, que tem uma grande audiência".
"Haverá sempre algumas pessoas que pensam que a National Geographic só deveria fazer programas sobre os elefantes, as geleiras glaciais e Papua Nova Guiné. Mas fazer um canal de televisão que as pessoas queiram assistir, e que seja interessante e divertido, é um desafio muito mais importante e significativo do que isso".

O canal acaba de anunciar que quer inverter a atual proporção da grelha de programação, que é de 75% de documentários e 25% de séries.

Para David Carraro, um dos pescadores de Gloucester, "Wicked Tuna" mostra "os altos e baixos de nossas vidas". O seu colega David Marciano também está grato pela receita adicional, já que os pescadores recebem pela exibição do programa.
"O que não se vê é quando puxamos a linha e esperamos, esperamos e esperamos", brinca.

@AFP