Ainda podia correr tudo mal mesmo antes de ganharmos a Eurovisão, naquele momento em que faltavam as duas últimas pontuações e a Bulgária ainda nos podia ultrapassar.

Portugal tinha arrasado na votação dos júris nacionais – nunca tínhamos ouvido tantas vezes as mágicas palavras: “Portugal, twelve points.” Mas o televoto é mais complicado, os números parecem subir exponencialmente e a Bulgária facilmente poderia roubar-nos a tão desejada vitória.

Note-se que tínhamos gente de peso a torcer por nós: J.K. Rowling e Caetano Veloso, pelo menos.

Acho que nunca tinha acontecido. Mas o concorrente da Bulgária tinha dezassete anos, há de ser estrela no YouTube, concorreu ao The Voice, é representante de toda uma nova geração e maneira de fazer música. Com o seu ar imberbe, a sua música emotiva, a sua pose teen, não seria um vencedor inesperado.

Sei do que falo (ou tento). Tal como já tinha acontecido com as meias-finais, vi, do princípio ao fim as quase quatro horas da final.

Vi dance pop em meia dúzia de versões, mais uma mão cheia de ‘power ballads’, vi variações sobre o gosto adolescente do momento, cantautores de vários paladares, folk rock, derivações world music a tentar afirmar a diferença, todo o tipo de luzes, imagens em ecrãs, fogo de artifício, fumo, chamas, um executivo com cabeça de cavalo, solos de guitarra azeiteiros e power saxofone dedicado a noivas. Houve lantejoulas, maquilhagem gótica, fatos, cabedal, coreografias elaboradas em interação com a câmara, bailarinos perdidos e... um macaco (Adriano, és tu?). Enfim, o costume. Não é fácil.

Depois das vinte seis canções e da votação, era o momento da verdade. Começaram a chegar os resultados. E aí vi coisas que nunca tinha visto.

Vi Portugal em primeiro lugar do princípio ao fim da votação do júri e mesmo até ao fim, na do público. E eu, que nunca fui particular fã, vi os verdadeiros fãs a gritar a cada votação como se o Benfica tivesse ganho o tetra, a saltar, a fazer contas de cabeça, a respirar com dificuldade e, no fim, a chorar e a dançar de felicidade. E vá, também celebrei.

No fim, ganhou aquela música. Uma voz a cantar e a resistir a improvisar demais, um arranjo de cordas simples e a calar-se para deixar ouvir e um palco no meio do público sem efeitos especiais. Nenhuns. Mesmo.

Eu sei, sou português, por isso parcial. Mas o meu gosto musical não é Eurovisivo, nunca foi, nunca será. Mas que raio, gosto do Caetano, gosto de jazz, gosto de arranjos de cordas, gosto de música simples, gosto de improvisos, por isso percebo Salvador Sobral e a música dele. E as coisas que foi tentando dizer antes, durante, depois de ganhar.

E aí, encontrei, pela mão de alguém no Facebook, o título para esta crónica, o mesmo do belo projeto vídeo do Tiago Pereira, um mergulho etnográfico nas nossas raízes musicais. E não é que servia perfeitamente para mais este momento de autoestima a disparar?

Luis Soares

Luís Soares é escritor e a primeira final da Eurovisão de que se lembra é a da Manuela Bravo. Tem saudades do Eládio e da Ana Zanatti.