Mais conhecido do grande público por "À Boleia pela Galáxia" (1979), saga literária com origem radiofónica que já passou pela televisão ou pelo cinema, Douglas Adams deixou na sua obra outras combinações personalizadas de ficção científica e humor absurdo que geraram culto. "Dirk Gently's Holistic Detective Agency" também está entre as mais populares do escritor britânico e já foi alvo de adaptações em vários formatos, regressando agora ao pequeno ecrã depois de uma série de quatro episódios da BBC Four, em 2010.

Desta vez, o resultado é uma coprodução entre a BBC America e a Netflix estreada nos EUA em outubro e recém-chegada, este domingo, ao serviço de streaming - que, como é habitual, disponibiliza na íntegra os dez episódios da primeira temporada. A adaptação tem a assinatura de Max Landis, argumentista de filmes como "Crónica" ou "American Ultra" que também tem escrito para BD em "Superman: American Alien" ou "Green Valley" e é ainda produtor executivo de "Channel Zero", série de terror do Syfy - universo que começou a conhecer com o pai, o realizador John Landis.

Para o papel de "detetive holístico" foi escolhido Samuel Barnett (na foto acima), que tem uma longa experiência teatral e desempenhos em várias séries da BBC ou, mais recentemente, "Penny Dreadful". Ao lado de Elijah Wood, na pele do seu colega à força que procura uma vida normal no meio do caos, o ator britânico conduz investigações e protagoniza aventuras que envolvem viagens temporais e vários recantos do universo. E algures lá pelo meio, a personagem tenta encontrar-se e criar laços fortes entre peripécias casuais, como contaram o ator principal e o produtor Arvind Ethan David (na foto abaixo) numa entrevista telefónica ao SAPO Mag:

SAPO Mag - Que relação tinham com o universo de Douglas Adams, através da saga de Dirk Genty ou outra, antes de participarem nesta série?

Arvind Ethan David - A minha carreira começou com o Douglas Adams. Há uns 20 anos, adaptei um livro dele para uma peça do liceu. E aí o meu "eu" adolescente prometeu a si mesmo que, um dia, iria adaptar um livro dele em condições. (risos)

Samuel Barnett - Quando estava a fazer o casting, fiquei surpreendido pela quantidade de familiares e amigos que conheciam muitos livros dele. E senti-me mal por algo assim me ter passado ao lado, porque só tinha lido "À Boleia pela Galáxia" na adolescência... (risos)  Entretanto fui ler os livros do Dirk e adorei.

SAPO Mag - O que vos atraiu nas aventuras de Dirk Gently?

Samuel Barnett - Quando me enviaram o guião com as primeiras cenas, fiquei deslumbrado com a forma como o Max [Landis] trabalhou a história, as personagens e os diálogos nesta adaptação. Recebi só onze páginas, com três cenas, mas a forma como drama e comédia estavam misturados era qualquer coisa... Percebi logo que estava ali um grande desafio, não só pela obra do Douglas Adams mas também pela escrita do Max.

Arvind Ethan David - O Dirk Gently é uma personagem incrível e o Max consegue dar-lhe uma dimensão ainda mais humana, uma espécie de atualização da personagem que conhecia dos livros, há 20 anos.

SAPO Mag - Os livros de Douglas Adams têm um culto muito forte que atravessa gerações. Sentiram alguma pressão dos fãs ao partirem de uma história dele?

Samuel Barnett - Temos noção de que estes livros têm uma legião de fãs e, além disso, interpretar uma personagem literária é sempre um grande desafio porque cada leitor já tem ideias muito específicas na sua cabeça sobre como ela deve ser. Se bem que fisicamente, por exemplo, não sou o mais próximo da personagem que está nos livros. E também não sou velho o suficiente para o papel. (risos) Mas acho que o Max conseguiu captar muito bem a essência da personagem de forma a que isso nem importe muito.

Arvind Ethan David - Não consegues adaptar a obra do Douglas Adams. Ele era um autor notável, com um estilo, escrita e tom muito próprios, e a única coisa que podemos fazer é inspirarmo-nos nas suas ideias brilhantes para novas aventuras num meio diferente. E pela reação dos fãs norte-americanos, que já tiveram oportunidade de ver a série, acho que fomos bem-sucedidos.

Arvind Ethan David

SAPO Mag - Arvind, já tinha adaptado esta saga para uma versão teatral premiada, em 2007. Como foi voltar a estas personagens num meio tão diferente como a televisão?

Arvind Ethan David - Neste caso, embora seja uma adaptação televisiva, acaba por assemelhar-se mais a um filme de oito horas, pela liberdade formal que a Netflix nos deu. Não apostámos no formato de caso da semana, quisemos contar uma só história que fosse simultaneamente complexa, profunda e deliciosa, com 26 personagens importantes, porque sabíamos que o público a quem se dirige estaria disponível para a ver praticamente de seguida, num fim de semana. E poder contar a história desta maneira fez toda a diferença para o resultado final.

SAPO Mag - Uma vez que a segunda temporada está confirmada, até que ponto é que esta versão vai manter-se fiel à original? Podemos contar com uma expansão deste universo em várias temporadas?

Arvind Ethan David - Acho que podemos avançar que este universo vai tornar-se um bocadinho maior. (risos).
Samuel Barnett - Sim, um bocadinho. (risos)

Arvind Ethan David - Cada temporada vai ter um mistério. A primeira envolve um assassinato que será resolvido até ao final, porque não queríamos fazer uma daquelas séries que deixam arrastar mistérios ao longo de várias épocas. Não queríamos ser como "Perdidos" e deixar os espectadores quase sempre na dúvida. Por isso, o caso do assassinato fica resolvido na primeira temporada, o que não invalida uma mitologia mais alargada que percorre toda a série, sobre a origem das capacidades do Dirk.

SAPO Mag - Samuel, a personagem de Dirk já foi adaptada noutras versões nas últimas décadas. Teve em conta alguma em especial para moldar a sua interpretação, ou até mesmo em desempenhos de outros atores com personagens comparáveis?

Samuel Barnett - Está tudo no guião. O Max é um argumentista muito preciso e um dos aspetos que realçou foi o de o Dirk mudar de pensamento oito vezes por segundo. O cérebro dele está sempre a saltar de ideia em ideia. Mas também li muita coisa além do guião: os livros, as peças, a BD... Ouvi as versões radiofónicas, vi a série da BBC Four, vasculhei tudo o que estava ao meu alcance, mas também percebi que acabava por já estar tudo na escrita do Douglas. De qualquer forma, nem acho que ele aposte assim tanto na caracterização das personagens, preocupa-se mais com observações brilhantes sobre a vida e a estrutura narrativa.

Arvind Ethan David - Sim, ele não aposta muito no estudo de personagens, mas considero o Dirk a exeção. Para mim, é uma personagem quase shakespeariana.

Samuel Barnett - De certa forma, sim. Ele podia confundir-se com um palhaço, com alguém muito fútil e unidimensional, mas o Max vê-o como alguém capaz de identificar ligações entre tudo mas incapaz de se relacionar de forma profunda com outras pessoas. E isso parece-me essencial, porque se um ator se preocupa apenas com o lado cómico da personagem, sem partir de um centro emocional forte, acaba por se tornar aborrecido e limitado. E tentámos fazer com o Dirk tivesse camadas e variações, um pouco à medida das situações shakespearianas com as quais tem de lidar.

Arvind Ethan David - Ser ou não ser? O Dirk e o Hamlet têm muito em comum. (risos)

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