"Juventude Inconsciente" bebe do entusiasmo juvenil dos muitos atores que se estrearam com esta oportunidade. Absorve essa energia e retrata-a. Inspira-se na urgência do mundo teen e traduz aquela pressa de viver.
De feições juvenis, vemos aqui Ben Affleck, Matthew McConaughey, Milla Jovovich, Parker Posey, Adam Goldberg e algumas outras caras cuja carreira no cinema foi mais breve. O mérito é de Richard Linklater e do seu diretor de atores, Don Phillips, cujo olhar certeiro o levou, por exemplo, a conhecer o estudante de cinema McConaughey num bar, onde ficaram a conversar durante uns copos. É esse o momento em que nasce Wooderson, a personagem a que McConaughey dá vida através de um cabelo-capacete aloirado, um bigode fininho e uma t-shirt branca muito justa para dentro de umas calças rosadas.
Wooderson já nem é sequer estudante deste liceu dos seventies onde a história tem início, naquele último dia de aulas, com as primeiras praxes aos futuros caloiros. Mas a personagem de McConaughey é tão cativante que rouba quase o protagonismo do filme. Richard Linklater também o sentiu, acabando por criar mais cenas para Wooderson à medida a que as filmagens foram acontecendo. E é quando McConaughey regressa ao cenário, depois da morte do seu pai, que uma conversa com o realizador dá origem à cena do discurso no campo do liceu:
“You just gotta keep livin’, man. L-I-V-I-N’.”
Os diálogos de Wooderson são curtos mas a sua intervenção é quase sempre o olhar que guia a história. A dada altura, McConaughey resume a essência do filme ao confessar o fascínio que tem pelas miúdas do liceu: “I get older, they stay the same age”.
A mensagem de "Juventude Inconsciente" é tão somente esta: a passagem do tempo. Os temas que afligem os jovens de verdes anos estão lá todos. A repressão dos adultos. As obrigações fora das paredes da escola. A necessidade de aprovação social.
O ambiente em que "Juventude Inconsciente" foi filmado (segundo entrevistas dos atores e da equipa) mostra que a sensação de fugacidade não estava só no enredo mas na realidade. O elenco fala dos laços de amizade criados nas filmagens e o próprio Linklater conta como acabou por desejar para os atores o sucesso que se quer para um filho.
Sim, a realidade contagiou a ficção. Mas Richard Linklater não podia fazer este filme de outra forma, ou não fosse ele o realizador que narra os eventos da vida. O olhar de Linklater é perito em captar os momentos que podem parecer banais para o espectador, mas que significam tudo para a personagem, da mesma forma que julgamos cada instante como o mais importante de toda a vida, quando somos adolescentes.
O mesmo entusiasmo juvenil encontra-se em "Todos Querem o Mesmo" (2016), filme também de Linklater, passado na década de 1980. A história não vai além de alguns dias, os últimos antes do início da vida universitária de uma equipa de basebol. Igualmente divertida e verdadeira, esta é mais uma história sobre as angústias, os dilemas e os sonhos de uma certa idade. (Nas palavras de Ian Dury, “sex and drugs and rock ‘n roll/Is all my brain and body need”.)
Não se enganem. A repetição não é enfadonha mas antes a confirmação das capacidades biográficas de Linklater. As mesmas capacidades que o realizador empregou em "Antes do Amanhecer" (1995). E surpreende que este filme não tenha sido sugerido para a lista de 30 antes dos 30... Afinal, a história de Jesse (Ethan Hawke) e Céline (Julie Delpy) é um clássico indie.
Linklater sabe manobrar a simplicidade desses momentos verdadeiros, os que fazem parte de nós. Mas, naquele ano de 1993, "Juventude Inconsciente" quase não passou de um flop nas bilheteiras, para o qual também terão contribuído algumas divergências com o estúdio, a Universal Pictures.
Parece estranho o insucesso inicial de um filme com banda sonora de tão alto gabarito: de Alice Cooper e Black Sabbath, passando por ZZ Top ou Lynyrd Skynyrd, só falta mesmo o original “Dazed and Confused” dos Led Zeppelin (por falta de consentimento da banda).
"Juventude Inconsciente" foi direito para a prateleira dos filmes de culto, mas não deixa de ser curioso encontrar aqui atores que estão entre os mais requisitados de Hollywood. Quando recebeu o Óscar, por "O Clube de Dallas" (2013), Matthew McConaughey não resistiu a lançar duas catchprases de Wooderson. “Alright, alright, alright.” Vinte anos depois daquele primeiro filme.
A década muda mas a lição é a mesma. A mesma que aprendemos com "Juventude Inconsciente" e com os seus hippies de cigarro no canto da boca; com os nerds em pânico por irem a uma festa; com os atletas que professam a liberdade contra a tirania do treinador; com os caloiros que fogem da praxe mas voltam cheios de esperança no olhar.
A lição é a mesma que aprendemos com o encontro entre Jesse e Céline.
A lição é a mesma que aprendemos com as voltas que a vida de Mason vai dando, em "Boyhood - Momentos de Uma Vida" (2014).
A lição é sempre a mesma: o tempo vai passando, num gerúndio que tem de ser desfrutado em cada momento.
Na filosofia de Woodersoon, “just keep livin’”.
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