O destaque do dia, pelas piores razões, foi o concerto de Julian Casablancas + The Voidz. Até podiam faltar palavras para descrevê-lo, mas o Priberam já atualizou as suas definições da palavra “desastre” e colocou também o espetáculo dos norte-americanos na Altice Arena, no Parque das Nações, em Lisboa.

Enquanto a banda afinava, já com alguns minutos de atraso, escutávamos "Computer World", dos Kraftwerk. Uma referência ao surgimento dos computadores, tema que se tornou um marco da banda alemã durante os anos 1980. Depois das críticas do dia anterior, de uma transformação radical do festival para contornos ligados ao hip-hop, em que artistas surgem palco sozinhos acompanhados por um DJ, a possibilidade de ver Julian Casablancas ao lado de uma banda fazia alimentar a esperança de ver rock na verdadeira acepção do nome do festival.

Nada disso. Um autêntico despiste automóvel, do qual fomos incapazes de desviar o olhar e de retirar o som, qual televisão. Houve uma entrada violenta mas minimamente agradável com "QYURRYUS", na qual suspeitámos de algumas influências árabes (“Gettin’off, the west side/All day on a roof on the west side”), mas a banda começou a capotar com "Leave It in My Dreams" ou "Pointless".

De óculos pretos e casaco da Chevrolet, Casablancas surgiu em palco com um discurso estranho, com citações do calibre de “eu engulo ao primeiro encontro” e “bem vindos à Arca de Noé”. E não nos salvou de um dilúvio que foi o concerto, e de certa forma este último dia do Super Bock Super Rock.

A atitude até pode revelar toda uma dimensão punk de querer sempre mostrar mais, mais som, mais ruído, mais rock. Mas foi demais. E isso, juntando à acústica que todos nós já conhecemos da Altice Arena, foi um cocktail explosivo para um espetáculo intragável. Entrámos num buraco negro sem retorno por parte dos The Noisz, correção, The Voidz. Aliás, nem entrámos assim tanto porque no final era muito fácil fazer o simples exercício de contar quantas pessoas estavam presentes.

Se Julian Casablancas foi responsável por uma canção como "You Only Live Once", devia ter percebido que a vez dele foi com os Strokes. Infelizmente, é com os erros que se aprende.

Antes, La Fura del Baus decidiram voltar a deixar a sua marca no Parque das Nações. 20 anos depois do espectáculo na Expo 98, o conjunto catalão mostrou as suas qualidades circenses num espetáculo que se realizou no meio do recinto, junto da audiência, deixando muitas pessoas de boca aberta. Porém, o significado de cada uma das apresentações foi muito dúbio, deixando à interpretação de cada um.

Benjamin Clementine
créditos: Pedro B. Maia

Benjamin Clementine também continua a deixar a sua marca em palcos nacionais e cada vez que vem melhor está. Depois dos concertos dados no início de ano, um pouco por todo o país, o britânico que já afirmou que Portugal é um dos poucos países onde se sente bem a cantar - não é à toa que diz que um dia vai aprender a falar português - deu um concerto memorável - mais um desde 2015, quando apareceu pela primeira vez por cá.

"I Tell a Fly" é uma carta de amor que ainda é mostrada e cantada agora a mais vozes, incluindo a de Ana Moura, que subiu ao palco para partilhar "I Won’t Complain". Até mesmo quando mandou o público fazer silêncio para poder cantar "Jupiter" a capella, num momento em que a voz de Benjamin encheu a sala. Ou então quando todos juntos, numa só voz, cantaram "Condolesces", que no final foi dedicado a uma jovem que perdeu a vida para o cancro. Para a despedida, "Adiós", cantado por toda a primeira fila e todas as pessoas junto às grades que tiveram oportunidade de fazer um dueto com o cantor. Benjamin Clementine de joelhos,e toda a Altice Arena de pé. Foi assim que dissemos adeus ao cantor, com uma bandeira de Portugal no ecrã gigante e uma mensagem muito simples: “Vou-me lembrar de Portugal para sempre”. Nós também.

Numa volta pelos palcos secundários, destaque para o regresso sensual de Sevdaliza, que continua a mostrar os seus encantos iraniano-holandeses em solo português e que desta vez até veio com um truque na manga. Embora "The Calling" seja o álbum mais recente, é de "Ison" que sobressai a melhor fase da artista. Incluindo "Human" e "Humana", tradução num português arranhado que a artista fez questão de cantar durante o espetáculo. Sensualidade e trip-hop foram ingredientes para uma hora de jantar diferente.

No que toca ao contingente nacional, várias bandas partilharam os diferentes espaços alternativos. No palco LG, os Pop Dell’Arte de João Peste continuaram a espalhar um estranho culto, que sobrevive desde 1985. Mas é a viajar para tempos mais recentes que encontramos o público que está sedento de rock, mosh e muito suor. E falamos aqui dos Sunflowers, que propuseram um final de tarde intenso no mesmo palco. Mesmo com algumas falhas de som (como o microfone não funcionar a espaços), nada foi impeditivo de viver o rock como deve ser. Intenso, provocatório e rebelde. Foi o que aconteceu, com direitos de honra a um mosh civilizado. Tudo demasiado bonito de ver.

Sunflowers
créditos: Pedro B. Maia

E para acabar, recuando ao início do último dia do festival, houve ainda Isaura. A cantora, já numa fase pós-Eurovisão, vive agora a sua fase "Human", que é como quem diz, a fase do seu álbum de estreia. Num concerto que não contou com muito público - foi também o primeiro do dia -, contou com a presença de Diogo Piçarra. Assente numa carga melodramática tanto nos nos sons como nas letras, foi uma atuação pop q.b.. Indicada para quando se começa um festival...

Num balanço geral destes três dias, 2018 não deixou uma edição que vá ficar na história do Super Bock Super Rock, que ainda assim contou com concertos inesquecíveis como os de Anderson .Paak ou The XX, que assumiram impecavelmente a ficha de cabeças de cartaz. Por outro lado, aquela que terá sido a edição menos concorrida no Parque das Nações terá muitos desafios para superar no próximo ano...

Texto: Carlos Sousa Vieira/ Fotos: Pedro B. Maia

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