“Antes mesmo de o Azagaia morrer, já se sentia uma escassez do rap combativo. Com a morte do Azagaia sente-se muito mais ainda. A coisa agudizou-se. O que Azagaia fazia era uma coisa de coragem”, assume.

Para Valete, Azagaia simboliza “resistência”, um músico que, absorvendo as dores do seu povo, viveu dedicado a um propósito.

“Nós temos de perceber que morreu uma exceção, um herói. Morreu um tipo de músico que aparece de 50 em 50 anos. O Azagaia está a fazer muita falta e provavelmente não teremos outro”, refere.

O músico português aponta Azagaia como rapper com quem mais trabalhou em toda sua carreira, um “irmão” que perdeu a vida numa altura em que os dois tinham mais projetos em carteira.

“Era para eu estar no próximo álbum dele e ele devia entrar também no meu, que creio que vou lançar em 2025 […] O Azagaia foi o irmão que eu nunca tive, o rapper com quem mais fiz música”, declara Valete, acrescentando que é provável que participe no álbum póstumo que está a ser planeado pela família de Azagaia.

Para o rapper português, Azagaia perde a vida num momento que a lusofonia, no seu todo, enfrenta o desafio da falta de “rap militante”, bem como ausência de uma indústria musical.

“Uma das piores coisas que nós temos nas nossas indústrias musicais é que há pouca gente a pensar lusofonia. Há pouca gente a pensar nesta união. Eu creio que isto tem de vir lá de cima, sinto que falta vontade política”, acrescenta Valete, que acaba de lançar uma associação de Hip-Hop que, entre outros, tem o objetivo de promover esta união.

No dia 9 de março, Azagaia (38 anos) foi encontrado morto, em sua casa, após uma crise de epilepsia, segundo a família, consternando milhares de fãs em toda a lusofonia, onde seu nome já era conhecido.

Azagaia ficou célebre pela crítica aberta à governação, de tal forma que em 2008, na sequência de três dias de violentas manifestações que paralisaram a capital, foi chamado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), após lançar o tema "Povo no Poder", uma música gravada pouco depois dos episódios, alertando para a possibilidade de uma paralisação geral face à subida de preços de produtos básicos no país.

Mas o trabalho que deu corpo a sua carreira foi mesmo o single “As Mentiras da Verdade”, de 2007, por muitos classificado como “manifesto crítico” à narrativa oficial da história de Moçambique, em que o músico chegou a questionar as causas da morte do primeiro Presidente de Moçambique, Samora Machel.

A faixa, banida na altura na rádio e TV públicas, surgiria no seu primeiro álbum: “Babalaze” (que significa "ressaca" na língua changana), uma adaptação da obra poética “Babalaze das Hienas” do escritor moçambicano José Craveirinha.

O `rapper´ moçambicano lançaria mais um álbum em 2013: “Cubaliwa”, último de uma carreira de quase 20 anos que começou no grupo “Dinastia Bantu”.

Os últimos anos da sua vida foram marcados por aparições mais tímidas, embora continuasse a lançar músicas, destacando-se temas como “Ai de Nós” (2021), uma crítica à “inércia” da sociedade moçambicana face à crise humanitária provocada por uma insurgência armada que desde 2017 assola a província de Cabo Delgado.

Após a sua morte, ativistas moçambicanos tentaram organizar marchas em sua homenagem, em 18 de março, iniciativas que foram reprimidas com violência pela polícia, tendo merecido a condenação de várias entidades que as classificaram como um dos sinais mais visíveis das limitações à liberdade de expressão no país.