Nota: antes de ler este artigo, recorde como começou a história musical de Bryan Adams nos capítulos anteriores deste especial:

O estranho caso de Bryan Adams. Cinco álbuns nos últimos meses, mas quase não se ouve na rádio (parte 1)

O estranho caso de Bryan Adams. Cinco álbuns nos últimos meses, mas quase não se ouve na rádio (parte 2)

O estranho caso de Bryan Adams. Cinco álbuns nos últimos meses, mas quase não se ouve na rádio (parte 3)

O estranho caso de Bryan Adams. Cinco álbuns nos últimos meses, mas quase não se ouve na rádio (parte 4)

Editou cinco álbuns nos últimos meses ("Pretty Woman - The Musical", "So Happy It Hurts", "Classic", "Classic Pt. II" e "Cuts Like A Knife – 40th Anniversary, Live From The Royal Albert Hall"), mas nenhum se ouve na rádio. A “geringonça” em que se tornou a indústria discográfica com as fusões, aquisições e desmembramentos-remédio ocorridos desde que se fundou, será uma das razões, mas não é a única explicação; porque não há só uma.

Mas como começou Bryan Adams a fazer-se notar na América e a lutar por palcos na Europa?

Em 1982, com o segundo álbum, “You Want It You Got It”, o canadiano começou o assalto ao mercado americano. Com a editora finalmente a acreditar e a aumentar o orçamento, o disco tinha sido produzido em Nova Iorque por um dos magos de estúdio da época, Bob Clearmountain; em concerto Bryan Adams tinha uma banda sólida, experimentada numa digressão de inverno que correra o Canadá de uma ponta à outra. O seu voluntarismo e persistência começaram a dar frutos.

Nos videocasts mais recentes, o seu guitarrista Keith Scott refere o intenso ritmo de trabalho de Bryan. “Ele não perdia um momento livre. Entre os concertos estava sempre a ligar para o diretor musical da rádio onde íamos tocar dali a umas semanas, a incentivá-lo a tocar o seu próprio disco. Ou nós ficávamos parados num hotel qualquer e ele ia e vinha a Vancouver compor com o Jim Vallance.”

Uma rotina extenuante que aproveitava todas as oportunidades de promoção, não sendo raros os dias que começavam com entrevista nos programas da manhã, mais entrevistas ou showcases à tarde e concerto à noite. Houve mesmo dias em que ao concerto principal - na primeira parte de um artista maior - seguiu-se outro, “late night”, num pequeno clube da mesma cidade. E onde quer que ia, Bryan Adams tornava-se amigo da casa, tal a genuinidade do seu comportamento. Os radialistas vibravam com histórias como a de “Lonely Nights”, escrita para Pat Benatar, que não a quis.

créditos: Lusa

O manager Bruce Allen está ocupado com a ascensão dos Loverboy, mas não deixa o assalto de Bryan Adams aos Estados Unidos por mãos alheias: em janeiro põe-no a abrir a digressão americana dos Kinks, em fevereiro e março a dos Foreigner e em abril e maio a dos próprios Loverboy. E, como artista a solo, enquanto os seus músicos descansam entre concertos, Adams está em entrevistas, em telefonemas, em promoção. Mas com os seus dois representados a atuar nos mesmos locais durante vários dias, estão, finalmente, juntos; Allen tem tempo para se sentar calmamente com o canadiano, aferir os resultados e planear o futuro.

As conclusões dos “brainstormings” Adams-Allen são óbvias: 1) A produção de Bob Clearmountain resultara num ótimo disco; 2) Bryan Adams e a sua banda ao vivo eram uma potência de palco: Dave Taylor tinha encaixado na perfeição na viola-baixo e Keith Scott começava a revelar-se um dos mais inventivos e melódicos guitarra solo; 3) A persistência e rotina de trabalho do canadiano estava a compensar: “Lonely Nights” tinha penetrado nas rádios “rock” e subido ao terceiro lugar da respetiva tabela de “airplay”; 4) Em termos de vendas, no entanto, apenas “arranhara” o top americano com uma estreia fugaz de uma semana em 84.º lugar; 5 ) Rumores circulavam de que “Tonight” começara a ilustrar coreografias em casas de “strip” e que já enchia pistas de dança em algumas discotecas de rock. 6) Ambos sabiam porque não tinham ido mais longe: a falta de um vídeo no ano em que a MTV surgiu. Bruce Allen acabara de ver o novo canal de cabo pôr no topo os Loverboy e lamentou que o orçamento da A&M e as próprias receitas não tivessem permitido a produção de um. A verdade é que durante mais três anos o saldo seria sempre zero. Pagas as despesas, pouco sobrava. 7) Tentariam não repetir o erro.

Cuts Like a Knife

"Cuts Like A Knife"

No final do Verão de 1982, Bryan Adams reentra em estúdio com Bob Clearmountain. Depois de seis meses fora em concertos, quer estar por casa, pelo que as gravações decorrem em Vancouver, nos Little Mountain Studios. As misturas são feitas no Le Studio do Quebec e as vozes e alguns “overdubs” na Power Station de Nova Iorque, onde aproveita para convidar Lou Gramm, com quem travara amizade durante a digressão de 82 com os Foreigner. São de Lou Gramm os coros em 6 das 10 canções do álbum. A equipa nova iorquina do disco anterior - o teclista Tommy Mandell e o baterista Micky Curry - está num intervalo das digressões dos seus respetivos grupos principais: Ian Hunter e os Hall & Oates. Bryan Adams não abdica deles, mas o guitarrista e o baixista são agora os que o acompanham na estrada e não músicos de sessão: Keith Scott e Dave Taylor. Clearmountain é o guia que os obriga a investir o pouco que ganham em equipamentos melhores, mas o canadiano também sabia o que queria para o seu terceiro álbum: crescer no mercado do rock, especificamente no género “AOR” (Album-oriented rock), formato que dominava as rádios que lhe tinham entreaberto a porta nos Estados Unidos e onde criara a sua primeira rede “media friendly”. Queria um disco em que as canções funcionassem bem ao vivo. “Entrei em estúdio com a convicção de fazer um álbum rock, sem singles pop. E deu-se o contrário. ‘Go figure’...”

Refere-se a “Straight From The Heart”, a única canção do álbum que não foi escrita a meias com Jim Vallance e que nem sequer foi criada para o disco. Bryan tinha 18 anos quando a escreveu, com o seu amigo advogado Eric Kagna, mas não a considerou sequer para os dois primeiros discos. E, entretanto, foram saindo versões por artistas como Ian Lloyd, Jon English e Rosetta Stone. Bryan Adams ironiza dizendo que foi ouvindo e aprendendo o que devia estar ou não na canção, apurando a sua versão mais correta. Em termos de autorias outra “presença externa” em “Cuts Like A Knife” é a do baterista dos Kiss, Eric Carr, que assina “Don’t Leave Me Lonely” com Bryan Adams e Jim Vallance. Tinham criado o tema para “Creatures Of The Night”, o álbum de 1982 dos Kiss. Mas acabou por ficar de fora a favor de outro tema que a dupla Adams/Vallance criara, desta vez com o líder Gene Simons. Porquê? Porque apesar de pouco ter feito, Simons viu o seu nome entrar na coautoria do tema. Uma questão de royalties.

“Straight From The Heart” é escolhida pela A&M para o primeiro ataque à rádio, que começa em dezembro de 1982, um mês antes da edição do álbum. É uma jogada arriscada: Bryan era desprezado pela imprensa, mas a rádio rock tinha-lhe aberto as portas com o disco anterior, criando-lhe a primeira base de seguidores. Distribuir uma balada em que a guitarra é subliminar e nem sequer sola e o que sobressai é a voz e as teclas, arriscava abdicar dos primeiros apoiantes sem garantia de singrar no formato “Pop Hits/Top 40”.

O consumo era mais previsível na altura e a tradição apontava a tendência feminina para a pop dançável ou para as baladas, o mesmo que afastava o público masculino branco. Por outro lado, também as “tribos” musicais estavam mais bem definidas. Os 10 discos mais vendidos de 82 foram “Thriller”, de Michael Jackson, compilações dos Eagles, Eric Clapton, Foreigner e Hank Williams, “Hello I Must Be Going”, de Phil Collins, “IV”, dos Toto, “American Fool”, de John Cougar (futuramente Mellencamp), “Mountain Music”, dos Alabama e “Kissing To Be Clever”, dos Culture Club. Ou seja, três discos “pop” (Jackson, Collins e Culture Club), 2 discos country (Hank Williams e Alabama) e cinco discos rock.

De facto, quando o single é distribuído em dezembro é rejeitado pelas rádios rock que tinham tocado “Lonely Nights”, enquanto nas rádios pop o espaço para novidades estava temporariamente ocupado por músicas de Natal. Um vídeo de baixo orçamento - gravado ao vivo na anterior digressão - falha a playlist da MTV, mas o álbum é lançado na mesma em janeiro de 1983, já que o manager Bruce Allen tinha tudo preparado para a “Cuts Like A Knife Tour” começar no fim do mês e chegar ao mercado americano em fevereiro. A revelação do álbum completo com a edição em janeiro alivia os principais apoiantes de Bryan Adams nas rádios e a própria editora, que se via em dificuldades com a sua estratégia de começar pelo mercado pop. O álbum estava repleto de canções rock e em 10 temas só três eram baladas. E é exatamente uma balada que começou a tocar nas rádios rock de Nova Iorque e na importante K-SHE de Saint Louis (a primeira a destacar os Loverboy um ano antes) fazendo os telefones tocar. As “folhas de chá” falaram: “Cuts Like A Knife”, apesar de ser uma balada, era uma “malha rock” brutal e o refrão “na-na-na” inspirado em “Hey Jude”, dos Beatles, tornar-se-ia uma referência eterna nos concertos.

Bryan Adams
Imagem do videoclip de "Cuts Like a Knife"

O vídeo de “Cuts Like A Knife”

O orçamento vídeo é entregue a um dos realizadores mais caros da altura: o irlandês Steve Baron, com um currículo que incluía os vídeos de maior sucesso da MTV e quase todo o Top Ten americano, de “Take On Me”, dos A-ha, a Eddy Grant, Fleetwood Mac, Human League e Joe Jackson entre muitos outros... A seguir a “Cuts Like A Knife” Baron entregaria a Michael Jackson o seminal “Billie Jean”. Depois da rejeição do clip de “Straight From The Heart”, só o facto de ter um vídeo realizado por Baron era meio caminho andado para entrar na MTV e pelo que se vê, o resultado foi de facto pouco mais do que o pagamento do seu nome: o vídeo é gravado na piscina interior do Hollywood Athletic Club de Los Angeles, desativada e vazia, em janeiro de 83 e, comparado com outros vídeos da mesma altura do mesmo realizador, é notória a produção “low budget”. Bryan Adams descasca uma maçã com a “Knife”, toca com a banda dentro da piscina vazia, a jovem Penthouse Model de 21 anos Raquel Pena mergulha nessa mesma piscina vazia e emerge... molhada. Raquel Pena ficaria famosa instantaneamente, mas mais porque Steve Baron a escolheu também para protagonista feminina de “Billie Jean”, de Michael Jackson. As gravações foram das nove da manhã às duas do dia seguinte, o suficiente para a modelo conhecer um executivo da A&M Records com quem juntou os trapinhos nos seis anos seguintes.

Enquanto o vídeo é editado e montado, o trabalho da A&M Records e da Bruce Allen Talent intensifica-se, tentando quebrar o silêncio mediático a que o álbum estava a ser votado. A rádio canadiana também ainda não despertara quando a “Cuts Like A Knife Tour” arranca a 26 de janeiro de 1983 com concertos de uma ponta à outra do Canadá. Mais uma vez, o teclista e o baterista de estúdio não fazem parte dos “Dudes Of Leisure”, o nome informal da banda de Bryan Adams. Na estrada está novamente o teclista John Hannah e agora o baterista Frankie La Rocka.

A entrada para 110.º lugar na tabela de álbuns dos Estados Unidos (que inclui 200 discos) a 19 de fevereiro injeta novo alento e tanto a A&M como a Bruce Allen Talent põem a “carne toda no assador”. A pressão sobre as rádios aumenta e em fevereiro “Straight From The Heart” começa finalmente a entrar nas estações com formato “Pop Hits/Top 40”, animadas também pelo “buzz” da notícia de que Bryan Adams ia ao “American Bandstand”, programa nacional de televisão com mais de 20 milhões de espectadores por semana. E esse foi o primeiro compromisso do canadiano para o mês de março: logo no dia 1 grava “American Bandstand” de Dick Clarke, com entrevista e a estreia audiovisual não só do primeiro single como também do segundo, prestes a ser lançado. A emissão do programa só ocorreria a 16 de abril, mas a tração conseguida pela máquina de promoção da A&M Records conseguira que, mais de um mês antes, a 12 de março, “Straight From The Heart” se estreasse em nº 81 na tabela de vendas de singles dos Estados Unidos. E na semana seguinte o álbum entra finalmente para a lista dos 50 mais vendidos.

As primeiras incursões ao vivo nos Estados Unidos são obviamente no mercado de Nova Iorque, o estado norte-americano em que o álbum anterior semeara a canção “Lonely Nights” nas rádios rock de Buffalo, Syracuse e Williamsville. Graças ao promotor de concertos local Harvey Weinstein, atuar no Palace Theatre de Albany ou no Bottom Line de Greenwich Village já não era difícil, mas o esforço para gerar “buzz” e conseguir atenção mediática ia ao ponto de Bryan Adams se apresentar ao vivo gratuitamente no Central Park de Nova Iorque a 23 de março de 83. A iniciativa foi uma ação de promoção negociada com uma companhia de media que detinha várias revistas e rádios canadianas; gravava concertos para transmissão e dos Genesis aos Dire Straits, dos The Who a Kim Carnes... ter “airplay” em mais de 40 rádios canadianas significava esta “borla” ao vivo e sua gravação para conteúdo. No Central Park nesse dia de março, Bryan Adams abriu para os Straycats, grupo que na altura já tinha mais de 1 milhão de discos vendidos e era “heavy rotation” na MTV.

Bryan Adams
créditos: Lusa

Três dias depois o vídeo de “Cuts Like A Knife” também entra em alta rotação na MTV com três a quatro passagens diárias, coincidindo com o arranque a 28 de março da digressão de 100 concertos com os Journey, o “hottest ticket” do ano. Ao fim de três meses de trabalho o “comboio” estava finalmente nos carris: Bryan Adams estava a subir nas rádios rock com “Cuts Like A Knife” enquanto o single “Straight From The Heart” subia pelo top geral paulatinamente até atingir o 10.º lugar a 28 de maio; foi o primeiro “Top Ten” americano do canadiano.

Um mês depois do início da digressão com os Journey o álbum está à entrada do Top 20 americano e em junho, quando “Straight From The Heart” começa a descer, o single ”Cuts Like A Knife” entra para 69.º lugar, continuando a empurrar ascendentemente as vendas. O “Disco de Ouro” por 500.000 álbuns vendidos é conquistado ainda esse mês e na última semana ascende à sua posição mais alta, oitavo álbum mais vendido na América.

Em julho, Bruce Allen esfrega as mãos de contentamento: tem um álbum Top Ten - “Cuts Like A Knife” - o single do mesmo nome em 15º lugar e “Hot Girls In Love” dos Loverboy em 14º, ambos ainda em rota ascendente. Mas o plano era forçar a barra o mais possível enquanto se estava exposto às gigantescas plateias da digressão dos Journey e é por isso que, mesmo antes de haver qualquer quebra de airplay, “This Time” (novamente com a garantia Steve Baron) é lançado como terceiro single e entra em “Medium Rotation” na MTV (2-3 passagens diárias). Acabaria por se ficar pelo 24º lugar, mas o álbum chegaria a “Disco de Platina” por mais de 1 milhão de vendas ainda em Agosto.

Quanto ao Canadá, a dupla Adams-Allen sabia que se furassem na América a rádio abriria as portas e foi o que aconteceu. Os singles “Straight From The Heart”, “Cuts Like A Knife” e “This Time” tiveram exposição de radio e televisão, chegando respetivamente a nº 20, nº 12 e nº 32 da tabela de vendas, enquanto o álbum subiu ao 8.º lugar.

Bryan Adams
créditos: Lusa

A luta pela Europa

Faltava a Europa e o resto do mundo. Ao contrário da maioria dos músicos da América do Norte, a infância nómada de Bryan Adams proporcionara-lhe experiências e o conhecimento da realidade: havia mais mundo além da América. Em entrevista à Classic Rock Magazine em novembro de 2023, Bryan Adams recordou: “Em 1981 e 1982 tocava muito na América e Canadá, mas eu questionava o meu manager: ‘Onde está a digressão europeia?’ E o Bruce dizia: ‘Por que diabo queres ir para a Europa?’ Até fui visitar a editora no Reino Unido e o chefe da A&M Records na época, um tipo chamado Derek Green, disse-me sem rodeios: ‘Listen, mate. A tua música nunca vai ser tocada aqui. Podes voltar para a América.’ Não havia nenhuma maneira de eu aceitar o que ele me disse. Isso encorajou-me ainda mais a fazer as coisas acontecerem na Europa.”

A A&M inglesa estava de facto mais focada em trabalhar os artistas deste lado do Atlântico do que um “rocker” debutante de pele facial estragada e voz rouca. A mina que eram os artistas assinados pelo tal Derek Green quando ainda era A&R - The Police, Squeeze, Joan Armatrading ou Supertramp - captavam a maioria do investimento anual da filial britânica e a quota de sucesso a cumprir com o produto vindo da casa-mãe americana era facilmente realizada com dois ou três discos. Em 1982 e 83 só Elkie Brooks, cujos álbuns “Pearls” (81) e “Pearls II” (82) já tinham ultrapassado as 300.000 copias cada um só no Reino Unido, fora suficiente para cumprir o “budget”. E continuava a pingar.

Mas na A&M Records Europa havia estratégias diferentes: distribuída na Europa continental pela CBS já há cinco anos, tinha secções de marketing próprias dentro dos escritórios da multinacional em várias cidades alemãs. E é a equipa alemã da A&M que aposta forte, conseguindo colocar Bryan Adams duas vezes no programa televisivo Rockpalast e nos eventos (concertos e festivais) com esta chancela da televisão. Grava o primeiro concerto a 17 de setembro no castelo Opherdicke, um evento ao ar livre com duas bandas alemãs a abrir e os Climax Blues Band a fechar. E é imediatamente convidado a abrir o Rockpalast Festival três semanas depois, com Elvis Costello e os Cheap Trick. Bruce Allen aproveita e consegue concertos em pequenas discotecas suecas e italianas e em recintos de menos de 1000 pessoas em Inglaterra, reunindo ao todo mais 9 datas na Europa em outubro de 83.

A tradicional guerra de egos entre ingleses e alemães e a indignação de Bryan Adams acabaram por ser as razões da viragem da A&M UK nestas três semanas entre setembro e outubro. Dez meses depois do seu lançamento a A&M aloca orçamento para publicidade e “tour support”. Publica o primeiro anúncio a “Cuts Like A Knife” nos media britânicos, promovendo o álbum e os quatro concertos em Inglaterra marcados para aproveitar a vinda da banda ao programa de televisão/festival alemão Rockpalast. Mas a Europa mostrar-se-ia difícil, e só em 1985 com “Reckless” é que Bryan Adams começaria a ver o seu nome nas tabelas de vendas.

A rejeição (principalmente) inglesa ao “AOR” que reinava na América do Norte era suficiente para que a maioria dos “rockers” americanos dos anos 80 se focasse primordialmente nos Estados Unidos, Canadá e Japão, considerando a Grã-Bretanha e a Europa continental territórios a explorar se e quando houvesse tempo e nada mais para fazer. Não para Bryan Adams. De 1 a 23 de outubro soma mais nove datas na Alemanha, Itália, Suécia e Inglaterra às 4 que já tinha feito em Setembro. Mas pouco acontece. Enquanto no Canada e Estados Unidos acaba o ano com quase um milhão e meio de discos vendidos, “Discos de Platina” e nomeações para os “Grammys” canadianos - os “Junos“ - na Europa poucos entenderam. Venderia pouco mais de 60.000 unidades na Grã-Bretanha (“Disco de Prata”) mas só depois do sucesso de “Reckless” mais de um ano depois. Na Suíça ganha um “Disco de Ouro” (25.000)... em 1993. Na Alemanha passa sete semanas pelo top mas não passa do 24º lugar.

Mas em Portugal havia um programa de rádio que quase todos os dias abria com uma pérola do álbum “Cuts Like A Knife”. Em 1980 houve um crime que abalou não só o Canadá, mas o mundo do entretenimento do continente norte-americano: o assassínio da atriz Dorothy Stratten, uma “playmate” canadiana, pelo seu próprio marido. Dorothy tinha nascido e crescido nas vizinhanças de Bryan Adams, mas nunca se conheceram apesar de serem praticamente da mesma idade. A canção foi escrita por Bryan e Jim Vallance, e durante as gravações em Vancouver Jim tocou piano elétrico como som guia para ser mais tarde substituído quando Tommy Mandell gravasse as suas partes em Nova Iorque.

“Como era para ser substituído, não me esforcei muito”, conta Jim Vallance no seu site. “Um mês ou dois depois o Bryan diz-me que tinha mantido a minha versão. Supliquei-lhe para regravar, mas já estava misturado e era tarde demais. Sei perfeitamente onde estão os erros e arrepio-me sempre que a ouço. Alguns anos depois estava com o Bryan num concerto do Bruce Springsteen, sentados ao lado do realizador Peter Bogdanovitch, que namorava com a Dorothy Stratten quando ela foi assassinada. O Peter agradeceu-nos por termos escrito a canção e o quanto ela tinha significado para a família dela.”

“The Best Was Yet To Come” abriu o programa de radio mais ouvido em Portugal em 1983 durante semanas e semanas a fio, acabando em primeiro lugar no TNT da Rádio Comercial. Se Portugal e a linha de Cascais há três anos que adotara Bryan Adams, por aqui já se sabia que o melhor ainda estava para vir.