A sobrevivência é em «O Estado das Coisas» o tema do filme dentro do filme, o qual é interrompido devido à falta de dinheiro e é este o argumento da ficção; esse filme dentro do filme é intitulado «Os Sobreviventes». Uma rodagem que tem como pano de fundo o Atlântico, não muito longe de Sintra, um produtor que desaparece, uma equipa de filmagem que o espera, num marasmo geral, o improvável regresso do produtor. A situação não pára de se agudizar e o realizador decide averiguar o que se passa do outro lado do Atlântico, ou seja, em Los Angeles. Para Wenders, esta procura - traduzida na viagem do cineasta à América, tentando localizar o produtor do seu filme - representa um duplo e contraditório mergulho: em primeiro lugar, no espaço mítico que o seu cinema sempre cortejou e amou; depois, na materialidade obscena (leia-se: económica) do cinema e da sua produção. Na verdade, o cineasta viaja para a América para vir a descobrir que o seu filme parou porque está a ser realizado a preto e branco e, hoje em dia, a cor é uma exigência quase incontornável de todas as produções cinematográficas. Quer isto dizer que, ao realizar «O Estado das Coisas» a preto e branco, Wenders está, desde logo, a situar o seu filme do lado de uma morte real e simbólica cujos sinais os seus personagens estão condenados a experimentar.