Atlantique
A HISTÓRIA: Forçada a casar-se com um homem rico, Ada fica destroçada quando o seu verdadeiro amor desaparece no mar ao tentar emigrar... até que um milagre os volta a juntar.
"Atlantique": disponível na Netflix desde 29 de novembro de 2019.
Antes houve uma curta-metragem, chamada "Atlantiques", onde a a actriz e realizadora francesa Mati Diop colocava um rapaz de Dakar a narrar a história da sua viagem marítima como passageiro clandestino. Aludia à crise dos refugiados e a sedução de uma vida melhor do outro lado do oceano.
Agora, com esta sua primeira longa-metragem, retorna ao Senegal para ampliar as experiências daqueles que ficam para trás.
Em "Atlantique", acompanhamos Ada (Mama Sane), uma jovem prometida em casamento a um homem rico, mas apaixonada por Souleiman (Ibrahima Traoré), um trabalhador fabril. O seu amor é interrompido quando este desaparece de barco com um grupo de rapazes. Na noite do seu casamento arranjado, um fogo irrompe no seu quarto e as amigas de Ada acreditam que Souleiman é o culpado.
Em entrevistas, Diop referiu a sua inspiração por “djinns” e “faru rab”, espíritos sobrenaturais da cultura islâmica. No seu filme, a cineasta coloca as almas dos rapazes afogados no mar a possuir os corpos das suas mulheres, de forma a que estas cobrem o pagamento em falta do seu trabalho numa torre de vidro futurista.
Para o espírito de Souleiman, o retorno não acontece pelo dinheiro, mas por Ada. E se com uma primeira parte de romance, pensamos estar a assistir a uma trágica história de amor e à conformação das mulheres às normas, esta sinistra reviravolta, depois da hipnose e do encanto das ondas, traz-nos o desespero e a dualidade entre o encanto e o receio do desconhecido.
Sem nunca resvalar para o campo do horror, Diop procura sufocar-nos com uma constante neblina na imagem, seja pela imensidão assustadora e convidativa do mar ou do calor febril que faz as nossas personagens desmaiar. A cinematografia de Claire Mathon assegura o efeito sonâmbulo, pincelando a escuridão da noite com olhos brancos vibrantes, ou impondo um monocromatismo pálido, numa cidade africana habitualmente garrida de cores. Acompanhado de drones ominosos quebrados por instrumentos africanos, obra da compositora Al Qadiri, o ambiente queda-se magnético.
Poema melancólico, conto de fantasmas repleto de possessões, metáfora de um comentário social sobre ideias de classe, pós-imperialismo e migração, compondo também uma representação literal da forma como os homens controlam e policiam o corpo das mulheres, em "Atlantique" todos vivem seduzidos por escapar.
Crítica: Daniel Antero
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