John Wick 3: Implacável
Durante a sua conceção, a primeira imagem revelada pela produção de "John Wick 3: Implacável" mostrava a homónima personagem de Keanu Reeves montada num cavalo a ser perseguida por motoqueiros.
Esta determinada cena repesca a memória do hoje pouco mencionado «Inadaptado» (2002), obra da autoria de Charlie Kaufman e com direção de Spike Jonze, onde uma das personagens de Nicolas Cage (que interpretava gémeos) entrava para o universo dos argumentistas esboçando um guião aparentemente ridículo, mas que postumamente é aclamado como matéria de génio. Nesse trabalho fictício, a figura referia uma perseguição entre equinos e motas, como alusão a uma disputa entre carne e máquina. Era uma absurdidade, até mesmo para os parâmetros da megalómana indústria norte-americana, mas agora podemos afirmar estarmos gratos por simplesmente testemunhar esse pedaço materializado.
«John Wick 3: Implacável» é, de forma a apropriar da linguagem cibernética, um “upgrade” de um franchise iniciado em 2014, que na altura era visto como um ligeiro filme de série B sem pretensões para continuações nem universos partilháveis. Era a história de um assassino contratado, reformado, que regressava ao jogo numa demanda de vingança aos mafiosos que mataram o seu cão, num projeto que vinha preencher um vazio deixado pelas ações cada vez mais decoupadas nos EUA.
Não existia aqui nada de novo pois a ação “one-shot” já era algo tão presente no cinema asiático e muito mais no dito "made in Hong Kong". Contudo, esta reciclagem resultou numa brisa fresca numa uma linha americana de montagem bafienta, compensando o enredo fácil e os hinos à masculinidade tóxica (sim, porque para os responsáveis era mais fácil vingar a memória de uma mulher do que nutrir sentimentos por um animal). Mas também não devemos esquecer outro factor de sucesso - Keanu Reeves - que se prestava a uma personagem tão própria que se chegava a confundir com a sua "persona".
Depois de feita a jornada sedenta de revolta, chegou um segundo fime que expandia o enredo, continuando a salientar o universo onde Wick se insere. O resultado era mais estético, ousado em comparação com a sua singela crisálida, e acima de tudo, perdendo, pouco a pouco, as amarras do dramalhão justificável.
“John Wick 2” usufruía do ecossistema burocrático sugerido no filme inaugural de 2014, o dos códigos de honra entre assassinos e as transações de favores como moeda de troca, e ao seu jeito, assumiu-se como um herdeiro do conceito de “Matrix” das irmãs Wachowski. E o filme parecia reconhecer esse feito, brincando por entre referências e relações meta entre as personagens. A tal ponto que Laurence “Morpheus” Fishburne voltava aqui a trabalhar com Keanu “Neo” Reeves.
Chegando ao terceiro tomo, a fim de fechar o "cliffhanger" que o bem-sucedido segundo filme deixou (John Wick "excomungado" pela irmandade dos assassinos e com a cabeça a prémio), e deparamo-nos com um paradoxo entre a genialidade e o absurdismo. Não só pela referida sequência entre cavalos e motos, mas pelo cuidado visual e coreográfica das cenas de ação, tão minimalistas e ao mesmo tempo tão excessivas.
O expoente máximo desta fuga de John Wick é uma equação de elementos oriundos do cinema "trash" e do outrora “diretos para VHS” da dinastia Cannon. Está aqui tudo: ninjas, artes marciais, tiroteio com fartura, tudo orientando em prol de diálogos breves e carrascões, num ensaio de sucessões sobre sucessões de todo um imaginário da ação cinematográfica.
Não é que aqui o proposto seja um culminar do género: "John Wick 3" é, acima de tudo, a reivindicação de um tipo de cinema que caiu no registo da seriedade e coerência física e emocional, perdendo a megalomania dos seus esforços e assim, obtendo senso de um "camp" disfarçado. Há algo quase autoral na conceção destes aglomerados de ideias absurdas tidas como peças de algo operático. Não esperem os dramalhões do costume, ou saudosismos mercantis, este é somente um exercício estético e de uso da força no grande ecrã.
Minimal e destrutivo, ao terceiro filme, o "John Wick" supera-se a si próprio. Longa vida a Keanu Reeves e ao seu simplismo tão verídico.
"John Wick 3: Implacável": nos cinemas a 16 de maio.
Crítica: Hugo Gomes
Trailer:
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