Malcolm & Marie
A HISTÓRIA: Um cineasta (John David Washington) e a namorada (Zendaya) regressam a casa após a antestreia de um filme que ele antecipa ser um sucesso junto da crítica e a nível financeiro. O serão acaba por sofrer uma reviravolta quando começam a surgir revelações sobre as suas relações, pondo à prova a força do seu amor.
"Malcolm & Marie": disponível na Netflix a partir de 5 de fevereiro.
Crítica: Hugo Gomes
Há umas semanas, a Variety pediu desculpa à atriz Carey Mulligan após esta ter manifestado a sua indignação com uma observação na crítica da publicação ao seu filme "Uma Miúda com Potencial".
Uma “novela” que certamente nos levaria para outro debate, mas curiosamente esta relação entre a crítica e artistas ganharia também um diálogo agressivo pela voz do ator John David Washington no papel de um realizador ansioso pelas primeiras reações em “Malcolm & Marie”.
Este que é um dos primeiros filmes produzidos e rodados durante a pandemia exalta-se como um exercício minimalista, algo referencial ao cinema do lendário John Cassavetes (no seu apoio aos atores e um visual e temático minimalismo). Washington contracena com Zendaya num extenso combate de boxe "matrimonial" em que de um filme dentro do filme emana uma conflituosa reflexão da sua relação.
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Mas voltando ao ponto inicial, o realizador está a desfrutar a primeira grande crítica ao seu novo filme, de “uma branquela do LA Times”, que começa com o palavreado da “obra-prima”. Para Malcolm, essa frase-feita para fins promocionais é um mero adorno e é a partir deste momento que começa a desconstruir todo o texto para a seguir revoltar-se com a ausência de pensamento no seio da crítica e, sobretudo, as definições instintivas desses profissionais.
Tendo em conta que Sam Levinson, o realizador de “Malcolm & Marie”, é um “branquela” em tempos prejudicado pelas reações negativas dos críticos ao seu segundo filme (“Assassination Nation”), estas "bofetadas" quanto à suposta (falta de) literacia revelam-se um ensaio cínico, de alguém que está a usar a personagem de Malcolm como um fantoche para a sua mal disfarçada vingança.
Mas no fundo, após a consagração do seu trabalho com a série “Euphoria” (de onde vem Zendaya, que mostra a tudo e todos, tanto na série como neste filme, que vale muito mais do que o seu percurso na Disney), ele tem uma certa legitimidade na sua postura, assim como em todas as outras "bofetadas" que vai dando ao longo de "Malcolm & Marie".
Mas este filme não é apenas uma arma de arremesso à fraca frontalidade e liberdade pensante da crítica cinematográfica, e confia no suplício dos seus atores para exibir a vitalidade destes amantes inconstantes, destes adversários emocionais, durante os assaltos do tal "boxe matrimonial".
Nesse aspeto, encontramos um duelo preciso e uma crença inabalável em Washington e Zendaya, nas suas próprias palavras e na sua conturbada cumplicidade. Aqui, o Cinema ainda deve, e muito, ao Teatro, e “Malcolm & Marie” apropria-se disso num estilo arrojado e estetizado, mesmo que para isso tenha de reduzir a Sétima Arte a que pertence.
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