O escritor chileno Luis Sepúlveda morreu hoje, aos 70 anos, em Espanha, em consequência da doença COVID-19, confirmou a Porto Editora.

Sepúlveda estava internado desde finais de fevereiro num hospital de Oviedo, em Espanha, onde foi diagnosticado com aquela doença. Os primeiros sintomas ocorreram dias antes, quando esteve no festival literário Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim.

A confirmação de que estava infetado com a COVID-19 levou, na altura, o Correntes d’Escritas a recomendar uma quarentena voluntária aos que participaram no festival e estiveram em contacto com o escritor chileno.

Tudo isto aconteceu ainda antes de as autoridades portuguesas confirmarem oficialmente qualquer registo de infeção em Portugal, o que só viria a acontecer a 02 de março.

Luís Sepúlveda, que nasceu no Chile a 04 de outubro de 1949, estreou-se nas letras em 1969, com "Crónicas de Piedro Nadie" ("Crónicas de Pedro Ninguém"), dando início a uma bibliografia de mais de 20 títulos, que inclui obras como “O Velho que Lia Romances de Amor” e "História de Uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar".

O escritor tem toda a obra publicada em Portugal - alguns títulos estão integrados no Plano Nacional de Leitura -, e era presença regular em eventos literários no país.

Luís Sepúlveda era casado com a poetisa Carmen Yáñez, que também esteve hospitalizada e em isolamento.

O escritor que via a literatura como ponto de encontro com o leitor

O escritor via a literatura como um ponto de encontro entre o escritor e o leitor, mas também entre o homem e os seus fantasmas.

“Sempre vi a literatura como um ponto de encontro. Primeiro, é um ponto de encontro do escritor com a sua própria memória, com as suas referências culturais e sociais. Depois, é um ponto de encontro entre dois estados de alma: o do escritor, quando estava a escrever, e o do leitor, no momento em que lê”, disse em 2016, em entrevista à agência Lusa.

O escritor, que tem toda a sua obra publicada em Portugal, considerava “muito bonito" esse encontro entre quem escreve e quem lê, por tornar cada leitura diferente de outra. "Não há dois leitores que leiam da mesma maneira o mesmo texto”, usava dizer.

Luís Sepúlveda, nasceu em Ovalle, na região de Coquimbo, no sul do Chile, em 04 de outubro de 1949, estreou-se nas letras em 1969, com "Crónicas de Piedro Nadie" ("Crónicas de Pedro Ninguém"), dando início a uma bibliografia de mais de 20 títulos, que inclui obras como “O Velho que Lia Romances de Amor” e "História de Uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar".

A sua estreia literária foi aliás auspiciosa, com a conquista do Prémio Casa das Américas, em 1970. A obra garantiu-lhe também uma bolsa de estudo de cinco anos, na Universidade Lomonosov, em Moscovo, onde esteve cinco meses, até ter sido expulso pelas autoridades soviéticas. Regressado ao Chile, foi igualmente expulso da Juventude Comunista. Inscreveu-se então no Partido Socialista Chileno o que o levou à Unidade Popular, coligação que vencera as eleições de 1970.

Sepúlveda dedica-se então, sobretudo à atividade política. Entra no círculo mais próximo do Presidente Salvador Allende, eleito no contexto da coligação, fazendo parte da sua guarda pessoal.

Allende acabaria destituído e morto, no golpe de estado militar de 11 de setembro de 1973, liderado pelo general Augusto Pinochet. A instituição da ditadura no Chile levou o escritor à prisão, primeiro, e depois ao exílio, na sequência de uma intervenção da Amnistia Internacional.

Iniciou então o que definiu, em entrevista à Lusa, em 2016, como “uma digressão de trabalho pela América do Sul”, até alcançar “um porto seguro na Europa”, nomeadamente na Suécia, antes da Alemanha, e de Espanha, onde acabou por se fixar.

Durante a segunda metade da década de 1970, trabalhou no Brasil, Paraguai, Uruguai e no Equador, onde viveu com os índios Shuar, e participou numa missão de investigação científica da organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).

Nesta altura firmou amizade com o ambientalista brasileiro Chico Mendes (1944-1988), a quem dedicou o seu mais conhecido título, “O Velho que Lia Romances de Amor” (1988), o seu segundo livro.

Sepúlveda publicou 21 títulos, entre os quais “Uma História Suja” (2004), “História de Um Gato e de Um Rato que se Tornaram Amigos” (2012), “Uma Ideia de Felicidade” (2014), “História de um Cão Chamado Leal” e "História de Um Caracol que Descobriu a Importância da Lentidão" (2015), “O Fim da História” (2016) e "Os Piores Contos dos Irmãos Grimm" (2018).

Alguns destes títulos estão incluídos no Plano Nacional de Leitura.

Nas páginas dos seus livros, o encontro que o autor procurava promover era não apenas com a personagem do escritor, mas também com o homem Luís Sepúlveda.

“Todas as personagens têm algo – muito – do autor e isso é o fascinante da literatura. As personagens ‘boas’ naturalmente reúnem a melhor parte de nós, porque são uma demonstração da parte boa, mas as personagens malvadas também são uma parte de nós, uma vez que ativam a nossa capacidade de ser perversos, maus, cruéis”, esclareceu.

O autor de “Diário de um Killer Sentimental” reconheceu, em entrevista à Lusa, que o homem e o escritor nunca andam sozinhos dentro dos livros: “Um escritor está sempre com os seus fantasmas e, quando começa a escrever, estes, naturalmente, saem à luz, para o bem e para o mal”.

O escritor viajava regularmente a Portugal, nomeadamente para participar no evento Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim, no distrito do Porto, onde esteve presente em fevereiro passado. Em 29 de fevereiro último, quando regressou a Gijón, no norte de Espanha, onde residia, foi-lhe diagnosticado covid-19. Luís Sepúlveda era casado com a poetisa Carmen Yáñez, que o acompanhou na viagem.

Era também presença regular na Feira do Livro de Lisboa e, em 2016, foi o único escritor de língua espanhola a participar na iniciativa “Viagem Literária”, que percorreu todas as capitais de distrito e as regiões autónomas portuguesas.

Sepúlveda, numa conversa com Valter Hugo Mãe, abriu então a iniciativa da Porto Editora, no dia 25 de abril, em Bragança.

No cinema participou, como ator, em dois filmes, “La Gabbianella e il gato” (1998) e “Vibo Per Sempre” (2000). Assinou o argumento de cinco películas e realizou outras cinco, entre as quais “Mano Armada” e “Corazón-bajo”, do que também foi diretor de fotografia e argumentista.

Como escritor, além do Prémio Casa das Américas, Sepúlveda foi distinguido com os prémios Gabriela Mistral/Poesia, em 1976, Rómulo Galegos/Novela, em 1978, Tigre Juan/Novela em 1988, o de Contos “La Felguera”, em 1990, e o Prémio Primavera/Romance, em 2009.

Em 2016, recebeu o Prémio Eduardo Lourenço, que apontou na ocasião como “uma grande honra” e acrescentou: "Este prémio tem para mim um significado muito especial e muito emotivo. É um prémio de uma emoção muito especial e só me resta dizer muito obrigado”.