A estreia do último filme de Roman Polanski na França, esta quarta-feira (13), está a ser marcada por protestos por causa de uma nova acusação de violação contra o realizador, que abalou o apoio de que desfruta na indústria francesa do cinema nas últimas décadas.

A promoção de "J'accuse", Grande Prémio do Júri do Festival de Veneza, foi alterada: os seus protagonistas Jean Dujardin, Louis Garrel e Emmanuelle Seigner (esposa de Polanski), tiveram de cancelar as habituais entrevistas de promoção.

Realizador Roman Polanski acusado de novo caso de violação em 1975
Realizador Roman Polanski acusado de novo caso de violação em 1975
Ver artigo

Na terça-feira à noite, várias feministas bloquearam a pré-estreia num cinema parisiense, aos gritos de "Polanski violador", enquanto no Twitter circulava um apelo ao boicote do filme.

O cineasta franco-polaco de 86 anos foi acusado na sexta-feira por uma francesa, Valentine Monnier, de tê-la violado após espancá-la em 1975, na Suíça, quando tinha 18 anos, num testemunho publicado no jornal "Le Parisien".

Através do seu advogado, Polanski negou estas acusações e disse que analisa avançar com uma "ação legal".

O realizador é considerado foragido da Justiça dos Estados Unidos, onde, em 1977, foi acusado de violar uma menor de 13 anos. Outras mulheres alegaram terem sido abusadas sexualmente por ele nos últimos anos.

Perseguição

Denunciando o "séquito incondicional de intelectuais e artistas" que continuam a apoiar o realizador, Valentine disse que decidiu tornar público o seu testemunho para contrariar comparações entre o cineasta e o seu último filme.

Com estreia em Portugal prevista para 23 de janeiro, "J'accuse" relata o famoso erro judicial histórico de que o militar judeu Alfred Dreyfus foi vítima no final do século XIX na França, por razões antissemitas.

"Estou familiarizado com muitas das performances do aparato de perseguição exibido no filme", disse o realizador, que afirma ter sido injustamente criticado durante anos pela opinião pública.

Um protesto popular forçou-o em 2017 a recusar o convite para presidir à cerimónia dos Prémios César, o "Óscar" do cinema francês.

Esta quarta-feira, a senadora socialista e ex-ministra Laurence Rossignol disse que não irá ver o filme.

"É um filme que não vou ver, porque se pode premiar Polanski com isso. Não se pode virar a página", afirmou, ao convocar o boicote.

No mesmo sentido foi a secretária de Estado para a Igualdade de Género, Marlène Schiappa: "Não quero comprar um bilhete de cinema nesse contexto".

"Eu abuso"

No Twitter, alguns internautas compartilharam a hastag #BoicotePolanski, enquanto circulavam outras modificando o título do filme para "Eu abuso".

Outros apoiaram o realizador, cuja família é de origem judia.

"É muito sério agredi-lo neste momento, quando há um aumento do antissemitismo na Europa", disse a realizadora Nadine Trintignant.

Na antestreia oficial de terça-feira na Champs-Élysées, em Paris, à qual Polanski compareceu, muitos dos convidados disseram "diferenciar o homem do cineasta".

"Venho ver o trabalho do realizador. Não sei se o que é acusado é verdadeiro ou não", disse à AFP uma das espectadoras, Seny Carette.

Em Paris, mais de 3.100 bilhetes foram vendidos para as primeiras sessões dos filme.

Mas o escândalo levou a Sociedade Civil de Autores, Produtores e Produtores (ARP), da qual Polanski faz parte, a anunciar que estudará medidas contra membros que foram julgados por agressão sexual.

"A seriedade do momento força o nosso conselho de administração a expressar-se", declarou a organização.

Esta decisão surgiu também após a primeira vez em que uma conhecida atriz francesa, Adèle Haenel, denunciou, na semana passada, ter sido vítima de um ataque sexual na indústria: acusou o realizador Christophe Ruggia de "assédio permanente" quando ela tinha entre 12 e 15 anos.