A HISTÓRIA: James Bond deixou o serviço ativo e está a desfrutar de uma vida tranquila na Jamaica. Mas a sua paz termina rapidamente quando o seu velho amigo Felix Leiter, da CIA, aparece com um pedido de ajuda. A missão de resgatar um cientista raptado acaba por ser bastante mais traiçoeira do que o esperado, o que leva Bond a perseguir um misterioso vilão, armado com uma nova tecnologia perigosa.

"007: Sem Tempo Para Morrer": nos cinemas a partir de 30 de setembro.


Crítica: Hugo Gomes

A esta altura do campeonato, os potenciais espectadores estão mais do que informados sobre este “007: Sem Tempo para Morrer” ser o adeus definitivo de Daniel Craig à personagem a que emprestou o seu corpo ao longo de cinco filmes durante 15 anos.

Na hora da despedida, vale a pena recordar que o ator, hoje desassociável da pele do famoso agente secreto criado por Ian Fleming, não obteve uma pacífica promoção a “00” em 2006, naquele que foi um dos inovadores capítulos deste duradouro "franchise", o inesperado “007: Casino Royale”.

Contra tudo e contra todos, até porque Daniel Craig não correspondia aos padrões tradicionalmente aceites para o papel de James Bond (houve quem se referisse à sua “cara de pugilista”), o filme de Martin Campbell marcou o início de algo inédito para este espião com licença para matar: continuidade narrativa e não as episódicas missões a que os seus antecessores estavam agregados.

Hoje, uma ‘coisa’ é certa: independentemente das discussões sobre o próximo passo de um “novo Bond” (fala-se de atores negros a mulheres), “007: Sem Tempo para Morrer”, mesmo com o atraso de mais de um ano na estreia por causa da pandemia, ficou responsável por cumprir uma passagem de testemunho da forma mais (re)criativa possível. Nesse sentido, e para quem ainda receia pela visão “woke” que se vai entranhando na indústria cinematográfica e nas sociedades, desde o seu tratamento em relação às mulheres – as “bond girls” –, passando pela quebra da masculinidade tóxica que estava sempre associada a esta fantasia, "007: Casino Royale” fez mais pela personagem para as novas gerações do que esta missão a quente propriamente dita.

Ainda assim, a pressão da "modernização" levou a produção a contratar a consagrada argumentista e também atriz Phoebe Waller-Bridge (da série “Fleabag”) para "aperfeiçoar" o guião e atribuir-lhe o “ar da sua graça”, descartando qualquer “male gaze” em relação aos corpos femininos. Sim, “007: Sem Tempo para Morrer” é um filme cordial e a condizer com os novos tempos, sem com isso sacrificando a pomposidade da sua produção nem o capricho das suas sequências de ação.

Sucedendo a Sam Mendes na cadeira de realizador, Cary Fukunaga (“True Detective”, “Beasts of No Nation”) mantém o virtuosismo orgânico do "franchise" e, por vezes, com alguma classe referencial. O resto... bem, o resto e com alguns bónus, é o que se espera neste universo: automóveis, relógios de marca, cocktails e vilões miseráveis e igualmente megalomaníacos.

Nota-se que o filme é um tributo, não só à personagem, por fim humanizada, mas a um ator que vestiu o smoking e bebeu martinis secos com rigor, sem nunca ceder ao peso do legado. Há aqui uma atitude de mudança e, ao mesmo tempo, é na sua lógica conservadora que se encontra a derradeira dignidade da personagem. “007: Sem Tempo para Morrer” presta a homenagem, fechando (mesmo com algum material para expandir estas narrativas) esta "dinastia" de James Bond como quem termina uma epopeia com pós de “perlimpimpim”...