Contos de Um Verão Negro
A HISTÓRIA: Era uma vez, o calor sufocante do verão num subúrbio de Roma. Nas casas, pátios e jardins impera o silêncio e a inércia dos adultos, frustrados ou indiferentes. As crianças absorvem esta fachada monótona de alienação, cristalizados num limbo de revolta dormente. Mas não por muito tempo. Um filme que espelha o premente vazio existencial da sociedade contemporânea, tendo como pano de fundo as dinâmicas disfuncionais, de poder e submissão, entre pais e filhos.
"Contos de um Verão Negro": nos cinemas a partir de 5 de agosto.
Crítica: Hugo Gomes
“Advertimos que as imagens que se seguem podem ferir suscetibilidades”. Quantas vezes já ouvimos este tipo de aviso, vindo do pivô que lê o seu teletexto, dando a falsa sensação de compaixão para com as nossas sensibilidades? É um alerta, nisso não há dúvidas, mas igualmente um isco para a curiosidade humana. E nós, telespectadores, somos incapazes de desviar o olhar, mudar de canal ou desligar perante tal “propaganda”. Sentimo-nos hipnotizados pelo suspense que nos poderão dar aquelas imagens de macabro. Na obrigação de nos corromper pela violência do mundo ao nosso redor.
“Contos de um Verão Negro”, dos irmãos D’Innocenzo [Damiano e Fabio] abre desta forma, um telejornal e um aviso idêntico, acompanhado por uma família tradicional, de sorrisos esboçados, como qualquer vida perfeita proclamada num anúncio televisivo, pronta para o dito “choque”. É com isto que percebemos um dos propósitos nesta jornada pelas felicidades escassas e disfuncionalidades familiares, a nossa relação com a violência dos outros, por oposição com a nossa incapacidade de lidar com o meio violento de onde surgimos.
Tudo isto soa a território de um Todd Solondz (“Felicidade”, “Wiener-Dog”), a tentativa de nos fazer simpatizar com personagens desprezíveis, todos eles emborcados no seu “mundinho” e nas suas inúteis conquistas, adultos fracassados que se reveem nos poucos triunfos dos seus filhos (uma sequência em que, num jantar entre famílias, as crianças leem em voz altas as pautas finais da escola sob uma indiferença cruel dos seus progenitores). Mas aqui, os irmãos D’Innocenzo (curioso apelido para um filme desta natureza) trabalham narrativas entrelaçadas de fracassos existenciais, humanos sem “ponta que se pegue” e um burguesismo nefasto que contamina os residentes de fora para dentro. Só que, ao contrário do conceito proposto pelo galardoado “Beleza Americana”, de Sam Mendes (1999), o de olhar de perto para os suburbianos de maneira a descodificar os seus mais íntimos devaneios, somos induzidos a afastar essa mesma vontade em “Contos de um Verão Negro”.
Talvez seja por isso que falha a viagem por estas negritudes da alma humana. Sentimo-nos impressionados pelo leque de personagens que dificilmente convidaríamos para o íntimo do nosso convívio, mas, no desfecho, fica uma sensação de desperdício. E o narrador parece troçar de todo esse “em vão”. O porquê destas histórias. Onde está a moral? Qual a razão desta existência? Se era para demonstrar como o ser humano é uma criatura negra, não era preciso mais um filme.
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