
Uma das maiores divas da música brasileira arrebatou a plateia do Coliseu do Porto na passada quarta-feira. Companheira de vida e de estrelato de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Tom Zé, entre outros, Gal Costa trouxe à cidade nortenha o seu mais recente projeto – "Recanto".
Ainda no átrio do Coliseu, os fãs não resistiam a tirar uma fotografia com a cantora, junto do cartaz publicitário do espetáculo. Entre a audiência encontravam-se muitos admiradores da geração de Gal que, com certeza, a têm vindo a acompanhar desde o início da década de 60. Estes traziam consigo gerações mais jovens, a quem terão passado o gosto pela boa música interpretada pela artista. Depois do habitual frenesim próprio da procura de lugares e da inquietação da espera, as luzes apagaram-se e, antes mesmo que uma voz de narrador apresentasse todo o elenco deste projeto, já as palmas irrompiam ansiosamente.
"Recanto" surgiu de um sonho de Caetano Veloso – diretor de produção – que só via na voz de Gal a sua concretização. Isto foi perceptível ao longo de todo o espetáculo, em que, para aqueles que conhecem os dois artistas, é possível identificar um pouco de ambos nas sonoridades, palavras e, principalmente, nas emoções evocadas. Recanto significa local recôndito, longínquo ou exíguo, esconderijo muito reservado que, intencionalmente ou não, mostrou-se também patente no palco, desnudo de cenário e negro. Este fundia-se com a plateia, tornando-os num só recanto onde, no topo, quando as cortinas se abriram, apenas era visível o rosto de Gal Costa.
Aos poucos, também os três músicos se iluminavam – Bruno de Lulli (baixo), Pedro Baby (guitarra) e Domenico Lancellotti (bateria, MPC 1000 e vocal) – enquanto irrompia Da Maior Importância, música lançada há 40 anos no disco "Índia", na fase “contracultura” dos baianos, depois de Caetano e Gil voltarem do exílio londrino. Nesta primeira canção eram vários os flashes das máquinas fotográficas e, quando de repente as tonalidades medianas explodiram em sons fortes e oscilantes, as peles arrepiaram-se. No final, quando a música cessou e a artista assumiu uma pose estática e dramática no centro do palco no seu longo vestido preto, as palmas voltaram a emergir fervorosamente. Seguiram-se Tudo Dói – que traz na sua estranheza e irreverência um pouco da Bossa Nova –, Recanto Escuro – “Mas é sempre o recanto escuro/ Só Deus sabe o duro que eu dei/ Mulher, aos prazeres, futuro/ Eu me guardei.” –, e Divino Maravilhoso – música que recebeu uma roupagem mais atualizada, com sons mais fortes da guitarra e eletrónica. Nesta última, as vozes masculinas dos músicos acompanharam Gal, tornando cada palavra mais impactante, cheia de convicção, como se de um motim se tratasse.
Foi de seguida que Gal dirigiu as suas primeiras palavras ao público, agradecendo e manifestando a sua alegria em estar na cidade do Porto. Ao referir-se à “aura, intensidade, densidade das canções, das letras” e do espetáculo, a cantora fez a analogia ao fado – “É emocionante fazer o show aqui por isso!”. Esta comparação fez sentido na medida em que o concerto se revestiu, desde o início, de uma profundidade imensa, tornando-se, até, em alguns momentos, pesado de emoções, assuntos e histórias. Gal não pôde deixar de elogiar e apresentar os músicos antes de retomar o seu repertório.
Folhetim, de Chico Buarque, uma das músicas mais conhecidas do público português por pertencer à banda sonora de "Cara a cara", originalmente um bolero, surgiu em jeito de blues, muito acarinhada e aplaudida – “Se acaso me quiseres/ Sou dessas mulheres que só dizem sim/ Por uma coisa à toa/ Uma noitada boa/ Um cinema, um botequim.”. Enquanto Gal dançava juntos dos músicos, os casais davam as mãos recordando e acarinhando-se.
No fim de cada música Gal agradecia com uma pequena vénia e, logo de seguida, sem dar tempo ao público para se restabelecer das emoções fortes anteriores, brotava mais um sucesso ou mais um trabalho de ousadia de Caetano.
Mãe foi mais uma música para ser absorvida e refletida e, depois dela, chegaram Segunda – carregada de tropicalismo e história da escravatura –, e Minha Voz, Minha Vida – “Se o amor escraviza/ Mas é a única libertação/ Minha voz é precisa/ Vida que não é menos minha que da canção”. Barato Total fez a plateia agitar-se nas cadeiras e soltar a voz à medida que as luzes lhe eram dirigidas. O espetáculo contou ainda com Autotune Autoerótico, Cara do Mundo, Deus é o Amor, Dom de Iludir, Neguinho, O Amor e Vapor Barato. Entre as músicas, Gal afirmou: “Eu tenho a certeza que hoje o espetáculo vai ser quente. Vocês são assim, intensos!”, ao que o público respondeu em grande comoção.
Baby, mais um grande êxito entre as músicas que serviram de tema de telenovelas brasileiras, despoletou vigorosos aplausos. Um dia de Domingo foi acolhida com o mesmo fervor, ecoando palavras carinhosas de alguns elementos do público, assim como alguns risos quando Gal adotou um voz mais grave na segunda parte da música. Miami Maculelê trouxe ao palco o funk carioca, em especial o funk experimental do DJ Marlboro.
Foi então que Gal e seus músicos agradeceram ao público, saindo do palco entrelaçados e emocionados pelas palmas incessantes dos presentes. Regressaram poucos minutos depois com Mansidão, Força Estranha e Meu Bem, Meu Mal. Por último, a cantora interpretou a tão aguardada Modinha para Gabriela, música da qual o público nortenho se apoderou de imediato, cantando a alta voz. Um encore não foi o bastante, pois Gal e seus companheiros tiveram de pisar uma terceira vez o palco para atender a um último pedido dos fãs: Índia, música que terminou num último fôlego em que Gal cantou “Dentro do meu coração todo o meu Portugal!”.
Sara Ralha
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