Um dos maiores eventos cinematográficos de Portugal, o IndieLisboa, avança para a sua 14ª edição, que tem como espaços principais os cinemas São Jorge e Ideal, a Culturgest e a Cinemateca.
No ano passado, segundo a organização, 30 mil espectadores passaram pelas salas; em 2017 o objetivo é, certamente, aumentar. O SAPO Mag conversou com um dos diretores, Miguel Valverde, para saber das novidades.
A força do cinema português
A abertura dá-se com material nacional: num ano em que o cinema português já começa prestigiado internacionalmente (passagens e prémios por Sundance, Rotterdão, Cinema du Reel e Berlim), recai, como natural, a escolha de um projeto que a organização já acompanhava desde 2016: “Colo”, de Teresa Villaverde, que chegou à competição da Berlinale com um retrato da crise económica em Portugal.
Valverde comemora, a propósito, a força das produções lusas, relatando dificuldades na hora de escolher seis projetos, entre 15, para a mostra competitiva.
“Uma das vocações mais importantes do IndieLisboa foi sempre ajudar a produção nacional. E este ano temos uma das seleções mais fortes de sempre”, notou.
Prova de vitalidade, as ficções, sempre em número diminuto, alcançam mais da metade (quatro) – para além das sessões especiais.
Competição internacional
Apesar de propostas bastante experimentais (“Somniloquies”, “El Mar La Mar”), documentários (“Boli Bana”, “The Challenge”) e registos na sempre presente docuficção (“El Viejo Calavera”), a competição deste ano é bastante marcada por um cinema narrativo.
É o caso de projetos como o canadiano “Werewolf”, do “road movie” brasileiro “Arabia” e, principalmente, de obras de marcado “storytelling” – como o chinês “Ciao Ciao” e o filipino “Ordinary People”.
Filme de encerramento: temas raciais em tempos de crise
Já para o encerramento está prometido um filme de impacto – o concorrente ao Óscar de Melhor Documentário e recém-exibido na Berlinale “I Am not Your Negro”.
Com narração de Samuel L. Jackson, a obra inspira-se num manuscrito de 30 páginas sobre líderes como Martin Luther King e Malcom X para tecer um atualíssimo comentário sobre o racismo na América.
“Parecia uma tarefa impossível, fazer um filme a partir das descrições da forma como estão no livro, mas aqui tudo funciona, para além de fazer todo o sentido nos dias de hoje. Penso que é um filme certeiro de encerramento, pois faz com que as pessoas terminem o festival e refletir e, eventualmente, tornarem-se mais interventivas”, observa Valverde.
Sexo e sangue: a Boca do Inferno
Uma das secções mais recentes do festival vai de encontro à ascensão do cinema de terror no circuito alternativo internacional – ainda que em eventos como Sundance a participação do género seja mais antiga.
Mais do que uma programação, o IndieLisboa do ano passado introduziu a Maratona – uma sessão contínua a partir da meia-noite no cinema Ideal - justamente na entrada da zona boémia da capital, o Bairro Alto.
Segundo o diretor, “a diferença para este ano é que, a cada longa, passaremos quatro curtas que, de alguma forma antecedem o que virá, como se fosse uma série”.
Os filmes entram madrugada adentro e o último a ser exibido será o polémico “Grave/Raw” – que deu o que falar no último Festival de Cannes por provocar vómitos e desmaios na sessão. A associação da realizadora Julie Ducournau com o certame lisboeta, aliás, é das mais singulares: antes deste filme “terrífico”, ela circulou… no IndieJúnior!
Heróis independentes: o lado menos conhecido da "Nouvelle Vague"
Entre os heróis independentes da edição 2017 estão Paul Vecchiali e Jem Cohen. As trajetórias são muito distintas: o primeiro, francês, surge como um “outsider” da "Nouvelle Vague", assinando deste musicais à maneira de Jacques Demy até obras de arte pioneiras no uso do sexo explícito – já nos anos 70.
Já Cohen, segundo Valverde, considerado “um cineasta da pequena câmara”, já filmou diversas cidades do mundo e, principalmente, a sua cidade, Nova Iorque. Entre os seus trabalhos também contam parcerias com Patti Smith e os Fugazi.
Director’s Cut: que tal matar Klaus Kinski?
Uma das mais antigas seções do Indie vem de encontro ao público cinéfilo e relaciona-se com a quantidade de trabalhos recebidos sobre outros filmes ou artistas. Uma componente importante é a parceria com a Cinemateca: a partir de obras selecionadas, a instituição escolhe, segundo o seu acervo, um projeto de alguma forma conectado com elas.
É o caso da curta “Killing Klaus Kinksi”, onde o realizador grego Spiros Stathoulopoulos mergulha na história de que Werner Herzog, às tantas cansado do temperamento de Klaus Kinski nas filmagens de “Fitzcarraldo”, teria desejado matá-lo – no que teria sido apoiado pelos índios, também fartos do ator. O óbvio correspondente da história é o próprio “Fitzcarraldo”.
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