É um feito histórico para o cinema português que mais do que duplica o currículo conhecido até agora nos Óscares: três curtas-metragens estão entre as finalistas que vão concorrer às nomeações nas suas categorias às estatuetas douradas de Hollywood.

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas anunciou os finalistas em 10 categorias esta quarta-feira à tarde em Los Angeles (início da noite em Lisboa).

As curtas-metragens de animação "Ice Merchants”, do realizador João Gonzalez, e "O Homem do Lixo", de Laura Gonçalves, estão entre as 15 finalistas que vão concorrer às cinco nomeações da categoria nos Óscares de Hollywood. O comunicado da Academia refere que se tinham qualificado 81 filmes.

Já "O Lobo Solitário", de Filipe Melo, está na "short-list" das 15 curtas-metragens em imagem real, categoria onde se tinham qualificado 200 filmes. Em declarações ao SAPO Mag, Filipe Melo disse "é realmente surreal - sinto uma enorme e sincera gratidão por tudo o que está a acontecer. Vejo todas as edições dos Óscares desde criança, por isso é fácil imaginar o que isto representa para mim".

Desde que as "short-lists" são anunciadas publicamente, duas curtas de animação portuguesas foram finalistas mas não chegaram à nomeação: aconteceu com "História Trágica com Final Feliz" em 2006 e “Tio Tomás, A Contabilidade dos Dias” em 2019, ambas de Regina Pessoa.

O processo de seleção nas duas categorias juntou voluntários entre os membros ativos e vitalícios destes ramos da Academia, além de realizadores produtores e argumentistas da organização que tenham recebido um convite específico para participar.

Numa segunda ronda, todos os membros dos ramos que vejam os 15 finalistas podem votar para a escolha dos cinco nomeados, que serão conhecidos com os das outras categorias a 24 de janeiro.

Para escolher os vencedores do Óscar de Melhor Curta-Metragem em Imagem Real e Curta-Metragem de Animação, que serão conhecidos na cerimónia a 12 de março no Dolby Theatre, em Los Angeles, podem votar todos os membros da Academia que comprovem ter visto as cinco curtas nomeadas.

Finalista ao Óscar de Melhor Curta-Metragem de Animação: "Ice Merchants"

"Ice Merchants"

Produzido pela cooperativa portuguesa COLA com Reino Unido e França, "Ice Merchants”, com 14 minutos, tem como ponto de partida a imagem de uma casa numa montanha, debruçada num precipício. A partir daí, o realizador desenvolveu a história de um pai e um filho, que produzem gelo na casa inóspita onde vivem, e de onde saltam todos os dias de paraquedas para o vender na aldeia, no sopé da montanha.

Terceiro filme de João Gonzalez, a estreia mundial aconteceu este ano na Semana da Crítica de Cannes, em França, onde foi premiado. Desde então, tem obtido vários prémios internacionais em contexto de festivais, nomeadamente na Austrália, México, Croácia e Inglaterra, que o tornavam elegível para a seleção de onde saíram os 10 finalistas.

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Finalista ao Óscar de Melhor Curta-Metragem de Animação: "O Homem do Lixo"

"O Homem do Lixo"

Produção da Bando à Parte, “O Homem do Lixo”, com 11 minutos, é o mais recente filme escrito e realizado em nome próprio por Laura Gonçalves, depois de em 2017 ter coassinado a ‘curta’ “Água mole”, com Alexandra Ramires.

A obra é sobre recordações e memórias, a partir da história de vida "do tio Botão", que trabalhou emigrado em França como homem do lixo, lê-se na sinopse.

Entre os prémios conquistados estão o de Melhor Curta-metragem Portuguesa no Monstra-Festival de Animação de Lisboa, e o Grande Prémio do júri profissional e o Prémio do Público do festival Animafest Zagreb, na Croácia.

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Finalista ao Óscar de Melhor Curta-Metragem em Imagem Real: "O Lobo Solitário"

"O Lobo Solitário",

Produzido pela Força de Produção, "Lone Wolf", cujo título português é "O Lobo Solitário", é assinado pelo multifacetado Filipe Melo, e já tinha conquistado o Sophia de Melhor Curta-Metragem de Ficção e o Prémio do Publico do Curtas de Vila do Conde.

Rodado num só plano, o filme com 24 minutos é protagonizado por Adriano Luz, no papel do radialista Vito Lobo que, no programa da noite da Viva FM, recebe uma chamada de um velho amigo que quer pôr a conversa em dia. No elenco estão ainda os nomes de António Fonseca e Maria João Pinho e a música original é coassinada com The Legendary Tigerman.

Filipe Melo tem carreira artística multidisciplinar, tendo-se distinguido como músico, integrando por exemplo o projecto "Deixem o Pimba em Paz", como argumentista de BD, com vários álbuns muito premiados e editados no estrangeiro (o mais recente, "Balada para Sophie", já teve os direitos adquiridos para adaptação televisiva), e também como produtor e realizador, tendo a sua curta-metragem anterior, "Sleepwalk", também conquistado o prémio Sophia.

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Portugal repete tradição negativa nos Óscares: "Alma Viva" fora da corrida para Melhor Filme Internacional

"Alma Viva", da realizadora luso-francesa Cristèle Alves Meira, não está entre os 15 finalistas a uma nomeação para o Óscar de Melhor Filme Internacional.

A ausência faz aumentar para 39 um recorde negativo de Portugal desde 1980: é o país que mais vezes submeteu candidaturas nesta categoria à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas sem nunca chegar às nomeações (nem aos finalistas, desde que passaram a ser anunciados publicamente em 2007).

De fora fica também o filme proposto pela Albânia, “A Cup of Coffee and New Shoes On”, protagonizado pelos irmãos Rafael e Edgar Morais e coproduzido por Portugal, pela produtora Maria & Mayer.

Na lista de finalistas divulgada pela Academia estão muitos títulos considerados favoritos nas últimas semanas na temporada de prémios. São duas as surpresas: as presenças dos filmes candidatos de Marrocos e, principalmente, da Suécia.

* "Argentina, 1985", de Santiago Mitre (Argentina);
* "Bardo, Falsa Crónica de Umas Quantas Verdades", de Alejandro González Iñárritu (México)
* "The Blue Caftan", de Maryam Touzani (Marrocos)
* "Cairo Conspiracy", de Tarik Saleh (Suécia)
* "Close", de Lukas Dhont (Bélgica);
* "Corsage - Espírito Inquieto", de Marie Kreutzer (Áustria);
* "Decisão de Partir", de Park Chan-wook (Coreia do Sul);
* "EO", de Jerzy Skolimowski (Polónia);
* "Holy Spider", de Ali Abbasi (Dinamarca);
* "Joyland", de Saim Sadiq (Paquistão)
* "Last Film Show", de Pan Nalin (Índia)
* "A Oeste Nada de Novo", de Edward Berger (Alemanha);
* "The Quiet Girl", de Colm Bairéad (Irlanda)
* "Return to Seoul", de Davy Chou (Cambodja);
* "Saint Omer", de Alice Diop (França).

O processo para chegar aos 15 finalistas começou com os 93 países que submeteram filmes até 3 de outubro e o comité executivo da categoria na Academia a validar a sua elegibilidade de acordo com as regras, nomeadamente mais de 50% do diálogo original e da própria duração não ser em inglês: embora não tenha sido indicada uma explicação, sabe-se que apenas Malta não passou esta fase.

A seguir, centenas de voluntários entre os quase nove mil membros da Academia que formam um comité preliminar de visionamento nesta categoria, divididos em grupos, tiveram de assistir aos filmes que lhe foram atribuídos durante seis semanas, classificando-os com uma nota até 10. Os 15 mais votados de todo este processo são os finalistas agora conhecidos.

Numa segunda ronda, os membros da Academia que formam outro comité têm de ver todos os finalistas e votar em boletim secreto para determinar os cinco nomeados, que serão conhecidos com os das outras categorias a 24 de janeiro.

Tal como nas curtas, para escolher o vencedor do Óscar do Melhor Filme Internacional podem votar todos os membros da Academia que comprovem ter visto os cinco nomeados.

Com vários prémios em festivais internacional, "Alma Viva", produzido pela Midas Filmes em coprodução com França e Bélgica, é a primeira longa-metragem da realizadora, filha de um minhoto e de uma transmontana que emigraram para França que mantém a ligação a Portugal e às origens dos pais.

Com um pendor autobiográfico assumido, mesmo sendo uma ficção, o filme é descrito como um microcosmo sobre laços familiares, emigração, misticismo e a cultura transmontana, integralmente rodado em Junqueira, concelho de Vimioso, onde a realizadora tem raízes maternas; e as filmagens, feitas no verão passado, contaram sobretudo com atores não profissionais da localidade. Também é um retrato da emigração portuguesa, das famílias que se separam entre os que ficam e os que partem, e das complexas diferenças sociais e económicas que daí nascem.

(*) Atualizado às 22:53 com declarações de Filipe Melo.