Exibido no domingo, com repetição marcada para esta terça-feira no Cinema São Jorge, um dos destaques da secção IndieMusic é o filme “Can and Me”, onde os cineastas Michael P. Aust e Tessa Knapp contam a história de Irmin Schmidt, um dos fundadores dos Can, a banda de rock alemã que figurou entre as mais revolucionárias desde o final dos anos 60 até à primeira metade dos 70.
Em entrevista ao SAPO Mag, Michael P. Aust falou sobre o ambiente de experimentação e liberdade da época dos Can, banda que legou à história do rock uma extensa influência e obras-primas como “Tago Mago”.
Questionado sobre o papel das vanguardas no século XXI, o realizador acha que estamos a viver uma nova revolução - onde a inteligência artificial, ao contrário do que muitos acreditam, terá um papel de libertação para os artistas...
Durante um período de experimentação generalizada, como o final dos anos 60, Irmin Schmidt (teclista dos Can), assim como músicos como John Cale, passou da música clássica para o rock...
Acredito que Irmin deve muito a uma estadia em Nova Iorque, onde conheceu John Cale, Terry Riley, John Cage, Steve Reich e La Monte Young, entre outros - todos inovadores não convencionais que abriram os seus olhos para o que seria possível na música - e que brincavam cruzando as fronteiras entre música clássica, improvisação, jazz e rock.
O mérito de Irmin foi que, com a fundação dos Can, tornou-se um dos primeiros músicos a reunir todos os estilos, 'insights' e estéticas que o século XX tinha a oferecer em termos de inovação musical, de uma maneira completamente não dogmática, para criar uma música completamente nova. Sem pastiche, mas mundos sonoros pós-modernos no melhor sentido.
A Alemanha teve uma cena 'avant-garde' tão forte como a de Nova Iorque, por exemplo, mas em termos de rock foi diferente, como se vê pelo facto de os Can só conseguirem sucesso quando foram para a Inglaterra. Concorda?
O sucesso dos Can certamente foi maior na Inglaterra e na França no início do que na Alemanha, mas mesmo no seu país venderam dezenas de milhares de discos e conquistaram uma enorme base de fãs ao longo dos anos, que cresceu ainda mais após a sua dissolução.
A cena 'avant-garde' alemã era realmente muito grande e muito diversa, mas as cenas individuais não interagiam verdadeiramente: a Nova Música mantinha-se com os seus próprios festivais, locais, universidades e dogmas, os músicos de jazz mantinham-se com eles mesmos, os roqueiros mal se misturavam com a cena eletrónica e 'avant-garde'. Além disso, a Alemanha era um país que, na época, não tinha uma verdadeira metrópole cultural central, como Londres, Paris ou Nova Iorque. As cenas individuais já estavam espacialmente separadas - e os Can, por exemplo, quase não tocavam em festivais. Portanto, ao contrário de Nova Iorque, um verdadeiro intercâmbio não ocorreu. Colónia foi a cidade onde diferentes polos musicais e a jovem cena artística se encontraram no final dos anos 60 - e os Can, portanto, estavam no lugar certo.
Acha que os Can encarnaram, de certa forma, alguns dos mais altos ideais da sua época - com experimentação, liberdade e vigor levados ao limite...?
Hmm... certamente pode dizer isso, mesmo que pareça muito patético. No entanto, quase todos os artistas naquela época estavam a tentar afastar-se do legado da era nazi e de uma velha geração que era percebida como antiquada. No caso dos Can, isso certamente é complementado pelo facto de que os músicos foram os primeiros a tentar operar sem um chefe e em completa igualdade. Uma grande e exemplar experimentação exige muita força e provoca discussões e argumentos - e poderia ter dado completamente errado.
Uma pergunta mais geral: acha que o experimentalismo na arte e na cultura popular nunca terá o impacto que teve até à década de 1970?
Acredito que cada década dos últimos cem anos tem produzido uma nova e diferente forma de arte e música popular. Mas, agora, acredito que estamos no limiar de uma nova era, talvez o maior passo já dado: a inteligência artificial levará a um novo paradigma de criatividade. Não precisaremos tanto como antes de especialistas altamente qualificados, como músicos, orquestradores e técnicos. Veremos então uma nova geração de criadores que nunca teriam tido a oportunidade de uma boa educação musical antes, mas que agora poderão inventar sem limites - em pé sob os ombros de gigantes...
A entrada de Irmin Schmidt no mundo das bandas sonoras de filmes foi quase acidental... uma das boas histórias contadas no filme é a de Wim Wenders sobre "Alice nas Cidades".
A sua entrada foi menos acidental do que se poderia pensar. Irmin já tinha trabalhado como maestro na ópera, entre outras coisas, e tinha uma base em dramaturgia - e já ganhara dinheiro para os seus estudos ao criar músicas para curtas-metragens, que hoje provavelmente seriam classificados como filmes industriais ou reportagens. Portanto, o aspeto técnico já estava lá - e o som dos Can era especial. Assim como hoje, o filme observa de perto o que está a acontecer no mundo do som, moda e estética - e naturalmente absorve-o na sua 'Gesamtkunstwerk" [obras de arte onde interagem diversas formas de expressão artística].
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