Um movimento a apoiar o discurso controverso do realizador Jonathan Glazer ao aceitar o Óscar de Melhor Filme Internacional por "A Zona de Interesse" na cerimónia de 10 de março recebeu o apoio de mais de 150 artistas judeus.

A carta aberta divulgada esta sexta-feira pela revista Variety inclui os nomes dos atores Joaquin Phoenix, Debra Winger, Elliott Gould, Miriam Margolyes e Chloe Fineman, dos realizadores Joel Coen, Todd Haynes, Boots Riley, Lenny Abrahamson, Mike Leigh, Ira Sachs e Nicole Holofcener, e do lendário dramaturgo Tom Stoppard.

A reação surge em resposta a outra carta aberta que denunciou o discurso de Glazer uma semana após a cerimónia que juntou mais de mil subscritores, incluindo os atores Jennifer Jason Leigh, Julianna Margulies, Michael Rapaport, Debra Messing, Brett Gelman, os realizadores Eli Roth e Rod Lurie, e os produtores e executivos Amy Pascal, Sherry Lansing e Lawrence Bender.

A nova carta aberta destaca que os signatários “apoiam a declaração de Jonathan Glazer, acrescentando que ficaram “alarmados” ao ver os seus colegas da indústria “descaracterizarem e denunciarem os seus comentários”.

“Os seus ataques a Glazer são uma distração perigosa da crescente campanha militar de Israel, que já matou mais de 32 mil palestinianos em Gaza e levou centenas de milhares à beira da fome”, diz o texto.

“Glazer, Tony Kushner, Steven Spielberg e inúmeros outros artistas de todas as origens condenaram o assassinato de civis palestinianos. Todos deveríamos ser capazes de fazer o mesmo sem sermos injustamente acusados ​​de alimentar o antissemitismo”, acrescenta.

“Apoiamos todos aqueles que pedem um cessar-fogo permanente, incluindo o regresso seguro de todos os reféns e a entrega imediata de ajuda a Gaza, e o fim do bombardeamento e do cerco contínuos de Israel a Gaza”, conclui a declaração.

Jonathan Glazer

Num discurso previamente escrito para 10 de março, Glazer, que é judeu, lembrou as vítimas do ataque do Hamas, ocorrido em território israelita a 7 de outubro passado, e também as da retaliação de Israel sobre a Faixa de Gaza, alertando para os riscos da desumanização: "Todas as nossas escolhas foram feitas para refletir e confrontar-nos no presente. O nosso filme mostra até onde pode ir a desumanização no seu pior".

A maior controvérsia centra-se nesta parte: "Neste momento, estamos aqui como homens que rejeitam que o seu Judaísmo e o Holocausto estejam a ser sequestrados por uma ocupação, que levou ao conflito para tantas pessoas inocentes - quer sejam as vítimas do 7 de outubro em Israel ou o ataque em curso em Gaza - todos os vítimas desta desumanização… como podemos resistir?”.

VEJA O DISCURSO.

O discurso tornou-se um dos elementos mais controversos no rescaldo da cerimónia, inclusive de pessoas ligadas ao filme "A Zona de Interesse": o financiador Danny Cohen revelou a sua discordância e o produtor Len Blavatnik, que estava no palco, partilhou uma declaração em que esclarecia que, apesar de Glazer falar em nome de todos, não conhecia o discurso 'a priori'.

Nos dias seguintes, mais de 450 profissionais de Hollywood, número que subiu em pouco tempo para mais de mil, divulgaram uma carta aberta na Variety: "Rejeitamos o facto de o nosso judaísmo ter sido sequestrado com o propósito de estabelecer uma equivalência moral entre um regime nazi que procurou exterminar uma raça de pessoas e uma nação israelita que procura evitar o seu próprio extermínio”.

Os subscritores defendiam que "o uso de palavras como ‘ocupação’ para descrever um povo judeu indígena que defende uma pátria que remonta a milhares de anos e que foi reconhecida como um Estado pelas Nações Unidas, distorce a história".

E acrescentavam: "Dá credibilidade ao moderno libelo de sangue que alimenta um crescente ódio anti judaico em todo o mundo, nos EUA e em Hollywood. O atual clima de crescente anti-semitismo apenas sublinha a necessidade do Estado Judeu de Israel, um lugar que sempre nos acolherá, como nenhum Estado o fez durante o Holocausto retratado no filme do senhor Glazer".

"A Zona de Interesse", inspirado no romance homónimo do escritor britânico Martin Amis, aborda o Holocausto através da banalidade da vida quotidiana da família de Rudolf Höss, o comandante de Auschwitz durante a II Guerra Mundial, sem esconder os sons que vêm do campo de extermínio nazi, mesmo ao lado, uma categoria também premiada pelas estatuetas douradas.

A Fundação dos Sobreviventes do Holocausto nos EUA também usou termos arrasadores na reação ao discurso.

"Devia ter vergonha de usar Auschwitz para criticar Israel”, escreveu o presidente da fundação, David Schaecter, numa carta aberta dirigida diretamente a Glazer subscrita pelos 18 membros do comité executivo da fundação, obtida pelo The Wrap.

Schaecter, de 94 anos e o único sobrevivente numa família de 105 pessoas, escreveu: “Assisti com angústia no domingo quando o ouvi a usar a plataforma da cerimónia dos Óscares para equiparar a brutalidade maníaca do Hamas contra israelitas inocentes com a difícil, mas necessária autodefesa de Israel perante a barbárie em curso".

“Fez um filme sobre o Holocausto e ganhou um Óscar. E você é judeu. Ainda bem para si. Mas é vergonhoso que presuma falar em nome de seis milhões de judeus, incluindo um milhão e meio de crianças, que foram assassinados apenas por causa da sua identidade judaica”, concluía.