A caminho dos
Óscares 2022
Cruella
A HISTÓRIA: Londres, nos anos 70, a meio da revolução do punk rock. Uma jovem vigarista chamada Estella é uma rapariga inteligente e criativa determinada a fazer vingar o seu nome através das suas roupas. Ela faz amizade com um par de jovens ladrões que apreciam o seu apetite por problemas e, em conjunto, constroem uma vida nas ruas de Londres.
Um dia, o talento de Estella para a moda chama a atenção da Baronesa von Hellman, uma lenda da moda devastadoramente chique e assustadoramente elitista (a vencedora de dois Óscares Emma Thompson). Mas o seu relacionamento origina uma série de eventos e revelações que farão com que Estella abrace o seu lado perverso e se torne numa estridente, elegante e vingativa Cruela.
Nos cinemas a partir de 27 de maio.
Crítica: Hugo Gomes
Criada pela escritora Dodie Smith, a icónica Cruella De Vil já foi imortalizada pela Disney em vários filmes, destacando-se “Os 101 Dálmatas”, que salvou o departamento de animação em crise do estúdio em 1961, e a versão em imagem real de 1996, com Glenn Close a vestir o casaco de peles. Agora, chegou a vez de a separar do seu próprio universo para uma anacrónica atualização.
Adivinhava-se prequela, mas este novo “Cruella” é um exercício de empatia para com uma das mais populares vilãs da nossa cultura pop, com Emma Stone a exibir um misto de incompreensão "disnesca" (a tendência trazida por “Maléfica”, que também apurou as causas da vilania) e uma anarquia em conformidade com os nossos tempos.
Não é por acaso que as primeiras reações tenham feito comparações com “Joker”, de Todd Phillips (2019), pelo uso da ficção e de décadas “ancestrais” (ambos os filmes colocam a narrativa nos anos 1970) para dialogar com a atualidade, com a radicalização e o maniqueísmo cada vez mais dissipados perante a sensação de injustiça social: Cruella não é mais a sádica estilista que persegue cachorrinhos, mas uma anti-heroína com sede de vingança.
Os temas são difíceis para um estúdio Disney que nunca quis trabalhar tais arquétipos e insiste em tratá-los por entre lençóis dos contos-de-fadas. Mas mesmo com desequilíbrio, que podemos enquadrar na própria esquizofrenia da estilista, este filme possui um raro gosto pela sua malvadez e pelo maquiavélico engenho de erguer esta personagem e as suas questionáveis “honras”, como se fosse alguém que nos vai salvar das opressões (e depressões).
A existência de um anarquismo tímido é o descarrilamento possível daquele eixo de formatação a que estamos habituais nestas "live actions" inspiradas pelos clássicos de animação da Disney: este é um filme que deseja "sujar as suas mãos".
Ainda que, por vezes, “estrangulado” pela tabela de encargos para corresponder ao "produto" esperado, o realizador Craig Gillespie (“Eu, Tonya”, “Lars e o Amor Verdadeiro”) "desafia" um gigante chamado Disney para elaborar um trabalho "punk", estetizado e ambíguo. Emma Stone, a responder à sua personagem com algum delírio à mistura, e a sua antagonista, uma caricatural Emma Thompson, ajudam a preencher uma produção com um espírito deliciosamente mal-alinhado.
No fundo, "Cruella", é isso mesmo, um ícone desconfortável para estes tempos de incerteza… quem sabe.
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