A HISTÓRIA: Bruce Wayne (Ben Affleck) está determinado a garantir que o sacrifício final do Super-Homem (Henry Cavill) não tenha sido em vão, e junta forças com Diana Prince (Gal Gadot) para recrutar uma equipa de meta-humanos para proteger o mundo de uma ameaça iminente de proporções catastróficas. A tarefa é mais difícil do que Bruce imaginou, uma vez que cada um dos recrutas terá que enfrentar os seus próprios demónios do passado para seguir em frente e, dessa forma, unirem-se para formar uma liga de heróis sem precedentes. O problema é que, embora unidos, Batman (Affleck), Mulher Maravilha (Gadot), Aquaman (Jason Momoa), Cyborg (Ray Fisher) e Flash (Ezra Miller), pode já ser demasiado tarde para salvar o planeta de Steppenwolf, DeSaad, Darkseid e das suas terríveis intenções.

"Liga da Justiça de Zack Snyder": disponível na HBO a partir de 18 de março.


Crítica: Daniel Antero

Antes de entrar em "Liga da Justiça de Zack Snyder", é preciso explicar como cá se chegou.

Aguerrido de uma fação entusiasta do universo dos comics e das graphic novels, Zack Snyder, realizador de "300" (adaptando a obra homónima de Frank Miller) e "Watchmen" (obra de culto de Alan Moore), tornou-se o paladino do universo cinematográfico da DC.

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Escolhido para reunir os heróis incontornáveis da Liga da Justiça (Aquaman, Batman, Cyborg, Flash, Martian Manhunter, Super-Homem, Mulher-Maravilha e talvez Lanterna Verde), iniciou a saga com "Homem de Aço" (2013) e prolongou-a com "Batman V Superman" (2016). Dois filmes que receberam reações mistas, mas colocaram Snyder no patamar de “autor” aos olhos dose fãs acérrimos que o idolatram.

Durante o desenvolvimento de "Liga da Justiça" (2017), Snyder saiu para se dedicar à família após uma tragédia pessoal, segundo a justificação oficial do estúdio Warner Bros. A verdadeira razão, confirmou o próprio numa longa reportagem na Vanity Fair (VF), foi por "perdido a vontade para lutar" em mais batalhas com o estúdio pelo controlo criativo.

Para o substituir e terminar o projeto, foi chamado Joss Whedon, realizador do primeiro "Vingadores" da Marvel. E no fim, a versão que cegou aos cinemas foi um flop entre críticos e fãs.

A partir daí, a incógnita instalou-se e os seguidores do realizador, curiosos e sedentos, endeusaram Snyder, acreditando que uma versão mais completa, espetacular e singular de "Liga da Justiça" tinha ficado perdida na sala de montagem. Nas redes sociais rebentou as hashtags #SnyderCut [Versão de Snyder] e #ReleaseSnyderCut [Lancem a versão de Snyder] e a pressão sobre a Warner surgiu de todos os lados, incluindo dos atores. E após esta longa campanha de pressão, a HBO Max avançou com o financiamento para Snyder completar a sua versão.

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Finalmente, quatro anos depois e 70 milhões de dólares a mais, chega-nos agora a versão definitiva de Zack Snyder: um épico de super-heróis de quatro horas com direito a lançamento mundial na HBO.

Recusando utilizar qualquer cena rodada por Joss Whedon, Snyder apresenta-nos uma visão maximalista, que cria uma profusão icónica para cada um dos super-heróis como uma pintura viva de Alex Ross.

A versão de Whedon foi criticada pela falta de lógica e fundamentos nas ações de cada herói, mas diga-se que a de Snyder também não acrescenta e avança, simplesmente lateraliza: dividindo a ação em seis partes mais um epílogo, cada super-herói tem direito à sua história compactada, atravessando temas como filiação, luto e alienação, assumindo complexos paternais e linhagens traumáticas. O problema é que... todas as personagens passam pelo mesmo! E já nos chegava o momento “Martha” em que se descobre que as mães dos super-heróis de "Batman V Superman" partilham o mesmo nome...

Algumas sequências ainda expandem o universo, como quando vemos a Mulher-Maravilha (Gal Gadot) a descobrir o plano de Steppenwolf (Ciarán Hinds) e Darkseid (Ray Porter), ou ainda a relação entre Cyborg (Ray Fisher) e as Motherboxes. O último é mesmo o único membro da Liga a beneficiar com esta nova versão, com a personagem a ter mais "background" e um arco narrativo transformativo. Mas a exposição interminável, indulgente, por vezes infantilizada, de ações e diálogos ocos, faz-nos cair na tentação de avançar mais depressa até chegar a uma cena de luta.

Aí sim, está o cinema de Snyder: vinhetas musculadas, suspensas no tempo; câmaras lentas artísticas sem sustentação narrativa; escolhas musicais muito particulares, com canções que roubam cenas e trazem vergonha alheia: “There is a Kingdom", de Nick Cave, ou a cover de “Song to the Siren”, de This Mortal Coil, por Rose Betts, são alguns dos exemplos; assinaturas musicais para cada personagem (destaque para o coro ridiculamente repetitivo sempre que surge Mulher-Maravilha); e CGI escondido na obscuridade e algum "gore" digital. Tudo num “glorioso” formato quadrangular de 1.43:1!

Portanto, regozijem os fãs de Snyder: "Liga da Justiça" é tudo isto e muito mais, onde cada narrativa secundária tem o seu "Deus ex machina" pronto para ativar o espetáculo.

Mas fica ainda uma sugestão: os fãs da "Liga da Justiça" talvez fiquem mais bem servidos com os desenhos animados "Justice League Unlimited" ou as fantásticas bandas desenhadas escritas por Grant Morrison, Mark Waid, Marv Wolfman, entre tantos outros. Porque esta saga de cinema é também um caldeirão de caprichos do argumentista Chris Terrio, que povoa as cenas de diálogos insuportáveis que forçam conexões e onde nem a argúcia espevitada de Flash (Ezra Miller) ou a atitude metal do Aquaman (Jason Momoa) nos retiram do tom sombrio, fúnebre e amargurado que Snyder imprime na história.

E falamos em caprichos porque no ato celebratório que é o facto desta versão existir, Snyder pede tudo o que estava no menu: Lois Lane (Amy Adams) e Martha Kent (Diane Lane), Vulko (Willem Dafoe) e Mera (Amber Heard), o Comissário Gordon (JK Simmons) e o mordomo Alfred (Jeremy Irons), Rainha Hipólita (Connie Nielsen), Iris West (Kiersey Clemons), Silas Stone (Joe Morton), Martian Manhunter (Harry Lennix) e ainda Deathstroke (Joe Mangiello), Joker (Jared Leto) e Lex Luthor (Jesse Eisenberg) vivem nesta versão não cânone de "Liga da Justiça", cheia de vias abertas para expandir narrativas.

Muitas destas personagens são reduzidas a dispositivos de exposição da história ou concentrados num epílogo vago e insistente, que talvez possa existir numa versão futurista, ou numa linha temporal alternativa, ou no “knightmare” de Batman. Não sabemos, mas compreendemos que esta liberdade de atos e excessos faz parte de um acerto de contas de Snyder com os fãs e as histórias que lhe ficaram por explorar. Porque este filme é mesmo de Snyder, um ato de persistência e de amor para si e para os seus, para quem o seguiu e para quem por ele clamou: #ReleaseSnyderCut.