A HISTÓRIA: Rosa, uma profissional de topo, altamente cotada no mercado empresarial, leva uma vida exigente e inteiramente dedicada ao seu trabalho. A morte do avô, de quem se tinha progressivamente afastado, devido ao trabalho inesgotável, acaba por lhe provocar um súbito ataque de stress que coloca em dúvida as suas escolhas. Rosa decide, então, abandonar a cidade e partir ao encontro do lugar e das memórias da sua infância, vivida ao lado do seu avô. Ao chegar à propriedade isolada, no meio da paisagem transmontana, descobre que o avô lhe deixou um conjunto de terras praticamente abandonadas e a casa da sua infância quase em ruínas...

"Os Demónios do Meu Avô": nos cinemas a partir de 22 de junho.


Crítica: Francisco Quintas

Graças à nomeação para o Óscar de Melhor Curta-Metragem de Animação, “Ice Merchants”, realizado por João Gonzalez, recebeu (e bem) uma catapulta de publicidade que, decerto, a congratulou com um número de espetadores nas salas de cinema acima do habitual.

Porém, tão frequente que é também o português reduzir conterrâneos vitoriosos a um fenómeno de dois dias, o mais provável é que a animação, como qualquer outro género ou formato, permaneça resignada a investimentos precários e indiferença. Nem os sucessivos governos nem as plateias perceberão tão cedo que palmadinhas nas costas não pagam contas.

Por outro lado, sejamos otimistas: se a popularidade de “Ice Merchants” entusiasmar o apreciador de cinema português, será uma de muitas conquistas contemporâneas. E este crescente interesse em animação pode ser consumado com a estreia de “Os Demónios do Meu Avô”, a primeira longa-metragem nacional em “stop-motion”.

Com este engenho borrachudo e escultural de se criar desenhos em movimento, o realizador Nuno Beato encontra-se perto da melancolia típica e do humor surreal de Charlie Kaufman, autor de “Anomalisa” (2015). Não obstante, foi tomada a atenção à doçura e à expressividade dramática que esta forma de animação é capaz, não fosse esta uma história sobre um jovem adulta que abandona Lisboa para reabilitar o terreno do falecido avô, na aldeia imaginária de Vale de Sarronco.

O guião de Beato, que colaborou com Cristina Pinheiro e Possidónio Cachapa, além de uma cobiçada simplicidade cinematográfica, revela uma sensibilidade particular aos assuntos que jazem sobre as deslumbrantes texturas e cores. Como sugere o próprio título, é garantida uma emotiva fábula sobre a árvore genealógica, tão acolhedora quanto temerosa como só ela consegue ser.

Com a voz da sublime Victoria Guerra, para isso fortemente contribuiu a protagonista, intrigante nas suas contradições: saudosa, inacessível, dedicada, tempestiva e bondosa. Ainda no elenco, António Durães acolhe-nos num calor paterno de cada vez que entra em cena e Ana Sofia Martins adocica o filme, deixando-o respirar após os pontos mais negros e fantásticos, provenientes da inspiração visceral nas tradições pagãs do interior nortenho de Portugal.

Estas sequências, deve-se salientar, oscilam entre sonho e realidade. Contudo, nem sempre esse recurso se prova vencedor, não devido à confusão, mas antes à repetição.

No polo oposto, o filme dedica o primeiro ato à frieza da sociedade digital, obcecada com a burocracia que nos apunhala a criatividade. Dentro de um projeto abundante em ambições técnicas e criativas, esta é, sem dúvida, a jogada menos imaginativa. Felizmente, dura apenas o necessário e é elevada pela divertida presença de Nuno Lopes.

Na hora de conciliar os tons adequados à natureza introspetiva da história, “Os Demónios do Meu Avô” mostra-se uma obra disciplinada. Ademais, planta um comentário maduro e corajoso sobre (re)visitar lugares e vozes que herdamos, os frutos imaculados ou podres que colhemos.