Cinebiografia do possivelmente mais notório dos vice-presidentes dos EUA - Dick Cheney, um dos orquestradores da invasão ao Iraque - “Vice” comporta-se para além do seu arquétipo de “filme de ator” que abunda nesta temporada de prémios. Até porque essa transgressão aos conservadores códigos da esquemática condensação da vida dos outros é obra de Adam McKay, realizador oriundo de algumas das comédias mais acidamente astutas (“As Corridas Loucas de Ricky Bobby”, “O Repórter”) de Hollywood assim como das mais “broncas” (“Filhos e Enteados”, “Os Agentes de Reserva”) que tem ultimamente apostado num diferente status.

McKay fez-se “realizador à séria” com “A Queda de Wall Street”, onde resumia a crise imobiliária de 2008 num conto de tragédia dirigido para “pequeninos”.

Sob tendências de chico-esperto - uma atitude emprestada e distorcida do Cinema ilícito idealizado por Martin Scorsese durante anos a fios - o seu trabalho datado de 2015 teve a proeza de abordar um tema exclusivo e transmiti-lo para uma linguagem universal aos mais diferentes espectadores. Esquema que o colocou sob um bailado pedagógico e ao mesmo tema demagógico. O resultado é que “A Queda...” arrecadou cinco nomeações aos Óscares, tendo vencido o de Melhor Argumento Adaptado, o que, traduzindo para o dialeto de indústria, é selo de requinte e qualidade.

Em “Vice”, o espírito não foi de todo inovado, aliás, diríamos que foi renovado para mais uma demanda. A pedagogia está lá, desta feita dirigida aos bastidores da política norte-americana, desencantando todo este processo e contaminando-o com o já habitual sarcasmo e porque não … um intenso tom trocista.

Se o filme de Adam McKay foge dos habituais parâmetros das cinebiografias, é porque o realizador decide arrogantemente jubilar com os palcos políticos do que supostamente sofisticar um subgénero cada vez mais balofo.

Christian Bale é uma das armas dessa apetência pela destruição de válida crítica político-social: o ator ostenta novamente outra variação de peso, mimetizando os tiques e mais que truques da dicção de Dick Cheney. Um boneco ao jeito do gosto da Academia, que dificilmente rasga a sua própria caricatura (segundo o ator, a inspiração deveu-se a Satanás).

Adam McKay conta com a composição de Bale como sua aliada para desfazer reflexões ao que está em jogo e com isso pregando o “mais que sabido” ou um maniqueísmo agressivo que poderá ser confundido com ingenuidade. Política nunca foi um caso de bem ou de mal, de ético ou não-ético, é mais complexo que isso e o coração de "Vice" (brincadeira literal que coloco aqui) é um coração de menino que decidiu um dia brincar aos governadores.

Ao tentar ser grande, McKay perde a sua astúcia, comete um caótico ato de superioridade e esquece que para fazer um grande filme político, deve sobretudo conhecer o tema, idealizá-lo e convictamente defender estas mesmas ideias, e não pregar ao espectador como se este tivesse “cinco anos”. As poucas sofisticações trazidas aqui são somente inconsciências geradas pela arrogância...

"Vice": nos cinemas a 14 de fevereiro.

Crítica: Hugo Gomes

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